Aos 58 anos, a moradora Maria Rizonete passa em faculdade pública e vira universitária

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Maria Rizonete da Silva, de 58 anos, sempre chamava atenção quando saía de casa na Dioneia, na parte alta da Rocinha, e descia a rua com o uniforme da rede pública de educação. Mãe de três filhos, a ex-faxineira não trabalha há 5 anos por motivos de saúde. Vive com ajuda do Bolsa Família. “Os filhos ajudam como podem”, diz ela.

Nascida na Paraíba, autodidata, começou a formar as primeiras frases com 9 anos através de uma vizinha que era paga pela avó. Mas foi morando em um internato, onde viveu parte da infância que a paraibana nunca mais quis parar de aprender até ser retirada pela avó.  “Eu esperava todo mundo dormir. Minha cama era perto da janela e escondia o livro embaixo dos lençóis e começava a ler de madrugada pra inspetora não pegar”, conta Maria Rizonete.

A relação conflituosa com a mãe fez com que aos 11 anos, ela e sua avó migrassem para o Rio de Janeiro e vieram morar na Rocinha. No Rio, Rizonete ajudava a avó nos trabalhos como faxineira, olhando as crianças dos patrões.

Já no segundo emprego como diarista, a aposentada namorava os livros de uma imensa prateleira. Ali Rizonete enrolava os afazeres do trabalho para conseguir adiar a saída e ganhar tempo para ler os livros da estante. Não demorou muito para os patrões perceberem a paixão da empregada, mas ao invés de demiti-la, eles permitiram que Rizonete levasse alguns livros para casa. 

Em um quarto humilde, Maria Rizonete senta para estudar em uma mesa de plástico. Foto: Renato Araujo/Fala Roça

“Eu sempre quis ensinar. Por eu não ter tido oportunidade na infância, sempre sonhei em lutar pela defesa da educação para todo mundo, que as pessoas entendam que idade não tem limite. Quando a gente deseja algo, a gente tem que lutar por isso sabendo que não é fácil pra ninguém.”.

Inclusive, a ex-patroa sempre dizia para ela: “Para de limpar a minha casa e vai estudar”. A paraibana resolveu escutar o conselho e, aos 50 anos, resolveu começar a estudar. Emocionada ao relembrar as dificuldades que já passou, ela conta que no primeiro dia de aula, já  usando o uniforme, chorou disfarçadamente na porta da escola. 

“Na rua, eu sentia e via os olhares das pessoas quando eu passava… As pessoas diziam: ‘estude muito para não usar roupa do município”, conta. As “brincadeiras” não a desmotivaram. Maria Rizonete concluiu toda grade de estudos pelo Programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e com dois diplomas debaixo do braço, conseguiu uma vaga no Pré-Vestibular Comunitário da Rocinha

Mesa de estudos improvisada

A ex-diarista conhece bem para que serve uma tábua de passar roupa. Quando começou a estudar, deu um outro significado para o pedaço de madeira: transformar em uma mesa improvisada de estudos. “Antes era tábua de passar roupa, depois troquei para uma mesa de plástico, mas era pequena e voltei a usar tábua de passar roupa”, explica ela que ganhou uma mesa de computador de amigos e complementa: “Guardarei a tábua de passar roupa com muito amor porque ela também me ajudou a chegar na universidade”.

Rizonete gosta de ler tudo que dão a ela, menos terror. A frente do seu tempo, a paraibana sempre engajada e foi para as ruas lutar por educação ao lado dos professores e do movimento estudantil “para não deixar morrer seus sonhos”. 

Maria Rizonete mostra um livro do escritor Sidney Sheldon. Foto: Renato Araujo/Fala Roça

Após terminar o ensino médio, ela continuou a frequentar o CIEP 303 Ayrton Senna da Silva, em São Conrado, participando de atividades de um comitê estudantil. Não gostava de ficar em casa. Encarou a ideia de tentar uma vaga na universidade como um desafio de vida. Depois de se preparar no Pré-Vestibular Comunitário da Rocinha, Rizonete fez a prova do ENEM. 

A primeira opção de Rizonete era cursar a graduação de História. Mas, aconselhada por amigos, decidiu tentar uma vaga no curso de pedagogia. “Nunca passei tão mal e fiquei tão ansiosa na minha vida como fiquei no dia da prova na UERJ”, relembra ela que recebeu a notícia de que virou universitária por meio de uma amiga. As aulas começam em fevereiro de 2022.

Ela compõe o grupo de 27 mil idosos que fazem cursos universitários no Brasil, segundo dados do Censo de Educação Superior de 2019, o mais recente disponibilizado pelo Ministério da Educação. Com sede de educação, Rizonete finaliza: “Também quero cursar História”.


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