Conheça Ale de Oliveira, jovem da Rocinha que é revelação do cinema brasileiro

Criada sozinha pela mãe, a atriz compartilha os desafios de morar na Rocinha sendo uma jovem mulher negra e favelada
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Uma jovem que tinha o sonho de viver da dança, mas enfrenta o racismo para fazer com que o sonho se tornasse realidade. Parece uma história de filme. Mas é. Porque, como se sabe, a arte imita a vida. “Eu queria ser bailarina” é um curta-metragem que traz uma situação parecida com a de meninas pretas no Brasil: a busca diária para alçar voos e alcançar objetivos em meio aos desafios. Alessandra de Oliveira, de 18 anos, estrela o filme de Isabel Seixas e Leo de Souza Santos, que percorre o mundo em diversos festivais. 

Tudo começou aos 12 anos, quando Ale de Oliveira, que prefere ser chamada pelo nome artístico, começou a carreira de atriz. Ela estudou teatro no projeto social Rocinha em Cena e afirma que foi, neste período, que os sonhos começaram a tomar forma. “Eu acredito que eu já estava conectada com a arte muito antes disso, porque eu já gostava muito de ler. Eu sempre fui muito conectada com a leitura e eu acredito que isso é um meio da arte também muito forte”, frisa a jovem atriz. 

Mas foi em um projeto social, que Ale enxergou a possibilidade de ser atriz. “Eu tinha 12 anos e eu nunca imaginei que eu seria atriz assim. Sempre foi um sonho muito longe pra mim. E aí foi como se tivesse virado uma chavinha. Isso aqui é real. Eu posso me tornar isso aqui”, lembra. 

“O teatro é muito importante pra mim. E é lá que eu consigo soltar os meus monstros… E é onde eu consigo me encontrar com o meu próprio eu. Quando eu tô fazendo teatro é onde eu relaxo, é onde eu consigo aflorar as minhas ideias, é onde eu consigo pensar. Então, é o meu lugar de paz, assim. Quando eu tô fazendo teatro, eu fico em paz. Eu consigo ficar mais tranquila”, explica.

Foi graças à arte que a jovem passou a entender o processo artístico como uma possibilidade para enfrentar questões que cercam nossa sociedade. “Eu acredito que, se não fosse a arte, muitas das coisas que a gente tem hoje em dia seriam diferentes. Infelizmente, a gente vive num país onde a arte não é muito valorizada como ela deveria ser. Às vezes, você quer falar sobre racismo, sobre homofobia e a gente consegue inserir o teatro nisso, a gente consegue inserir a leitura nisso. Então, eu acredito que ela é fundamental para tudo que a gente vive. Se não fosse a arte, a gente não viveríamos coisas que a gente vive”. 

Até estrelar o filme Eu queria ser bailarina, a jovem relata ter passado por muitos testes e muitos não, uma vez que a carreira de atriz é marcada por constantes testes de elenco. Como o verbo desistir nunca esteve no vocabulário de Ale, ela conta que foi uma situação inusitada, que a fez chegar até a diretora do filme, quando vendia água para um projeto social. 

“A diretora do filme me viu e falou que me achou muito linda e perguntou se eu era atriz. Falou que eu falava muito bem, porque ela tinha visto eu vendendo água para outra pessoa e ela tinha gostado muito de mim”, relata a jovem. 

E relembra que o contato foi feito por meio do Instagram: “Aí foi onde começou a saga.” O curta “Eu queria ser bailarina” foi selecionado para participar de diversos festivais do mundo, como o Festival Internacional de Milão. 

Com uma história parecida com a dela e com a de outras meninas pretas e faveladas, Ale celebra o alcance da produção ao redor do mundo. “Eu estou muito feliz com as conquistas. Sou muito nova e, para mim, esse ano foi um ano de muitas conquistas.”

O meu lugar

Nascida e criada na Rocinha, a atriz entende que, para chegar até aqui, o lugar onde nasceu, se criou e mora até hoje, é parte integrante dessa história. “Moro aqui desde que eu me entendo por gente. E, atualmente, eu moro no Laboriaux, mas eu já transitei por várias partes aqui da Rocinha”, conta Ale de Oliveira. Ela mora com a mãe, Claudia, em uma casa no alto do morro. 

Filha de pais separados, a atriz relata que a mãe a criou sozinha e compartilha os desafios de morar na Rocinha, sendo uma jovem mulher negra e favelada.

“[A gente] lida aqui com a Rocinha todos os dias, vê a realidade nua e crua, a gente sabe como é difícil. É uma escolha diária de você entender qual é o caminho certo e até às vezes caminhar com as suas próprias pernas. Muitos jovens daqui têm essa questão de não ter pai presente, às vezes, não ter mãe presente e é muito difícil. Eu que sou uma jovem, eu que sou preta e que moro em uma favela, é muito difícil, são muitas barreiras que a gente tem que lidar diariamente”, ressalta.

Ale de Oliveira

Mesmo com os desafios relatados, Ale vê a Rocinha como um espaço simbólico da carreira. “A Rocinha significa muita coisa pra mim, porque foi aqui onde eu comecei tudo. Foi aqui onde eu conheci o teatro, foi aqui onde eu entendi que eu poderia ser muita coisa. E, principalmente, a Rocinha é um lugar pra mim de muita representatividade, porque foi aqui onde minha mãe começou. Eu sou mais nova, eu tenho quatro irmãos, então, aqui foram onde cresceram muitos sonhos, principalmente, em mim”, garante.  

E completa: “Foi aqui que entendi melhor quem eu de fato era. E que isso era possível, que era possível eu ser Alessandra, ser atriz. E, principalmente, eu estar em um filme da Netflix, estar indo para festivais fora”, destaca a jovem, que participa do longa Meninas Não Choram, da plataforma de streaming. “E eu acredito que aqui é um lugar também que tem muitos dos meus ancestrais.” 

Potência na tela

O sentimento não poderia ser outro senão a de realização. “Tudo isso que eu estou vivendo e, principalmente, ver o meu rosto na telinha, é muito gratificante, porque é a resposta de um trabalho. Às vezes, você pensa em desistir… você fica a noite pensando se aquilo ali vale realmente a pena”, reflete. 

Mas afirma sem dúvida: “[É satisfatório] ver os meus sonhos se realizando, ver os sonhos dos meus irmãos, da minha mãe se realizando. E eu acredito que, assim, isso é o que mais vale a pena.”

Ale de Oliveira interpreta a personagem Valéria no filme Meninas Não Choram, disponível na Netflix.
Foto: Reprodução/Instagram

Olhar para trás também é importante para a atriz perceber o próprio caminhar contra o racismo e suas busca por novas realizações. “Em minha trajetória… eu olho [para tudo isso] com muito amor, muito carinho, muito respeito, porque foi difícil lidar com preconceito, com racismo”, avalia. 

Ela pondera que conseguiu atravessar momentos de exclusão, racismo e preconceito social, foi possível “com muito suor” e como apoio da “mãe do lado”, além do suporte dado por “outras pessoas” e do projeto que participava. “Me ajudou muito nessa questão de conseguir lidar com os leões, porque a gente sabe que não é fácil esse meio da arte, do cinema. E eu acredito que, através de mim, caminhos estão sendo abertos”, analisa Ale.

Claudia de Oliveira, a mãe orgulhosa da atriz, relata um pouco sobre como era a filha quando pequena. “O que mais me chamava a atenção era a facilidade em se expressar, em se comunicar com as pessoas e sua postura diante do público”, ressalta, recordando da desenvoltura da então pequena Ale. 

A guia de turismo, revela que sempre buscou estar com a filha em museus e eventos gratuitos. “Sempre que eu perguntava sobre o interesse em estudar, ela respondia que não amava, mas que era necessário para seu futuro”, relembra. 

Como mãe solo, que teve poucas oportunidades na infância, Claudia sempre incentivou os sonhos da filha, porque tinha a percepção do talento gigantesco da menina. “Quando olho para trás, agradeço a Deus e as pessoas que contribuíram para com a evolução dela. Sinto muito orgulho!”, completa. 

Orgulho do morro 

Leo Godoi é diretor de teatro e do projeto Rocinha em Cena. Ele foi o primeiro professor da Ale. “Foi um privilégio poder apresentar essa arte para ela, que já se mostrava uma potência no palco desde o início. Tive a honra de ser o primeiro professor de teatro da Ale.”

Ele afirma que a jovem demonstrava um interesse genuíno e uma disponibilidade rara. “Ela era atenta, comprometida e, acima de tudo, corajosa. Nunca teve medo de errar, algo fundamental para quem quer se destacar como atriz. É o tipo de aluna que todo professor de teatro sonha em ter”. 

O que mais marcou o professor na aluna foi a entrega e disponibilidade dela em cena. “Ela estava sempre pronta para explorar novos desafios, mergulhando de cabeça em cada exercício ou personagem. A Ale tem um talento extraordinário e uma potência artística que promete revolucionar tanto o teatro quanto o cinema brasileiro. Com sua dedicação e talento, ela tem tudo para se tornar uma referência no cenário cultural”, conclui.

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