Entre passinhos e pique-pega, a ONG do Tio Lino reforça a importância do brincar na Rocinha
O projeto utiliza a cultura como ferramenta de transformação social para jovens em situação de vulnerabilidade na Rocinha há mais de 30 anos
Becos, vielas, o pátio na hora do recreio e projetos sociais são os principais ambientes para as brincadeiras da garotada. Durante a semana, quando não brincam na rua, o lazer está presente nos ambientes de aprendizado. Seja pela correria do trabalho ou pelas poucas opções de áreas de recreação, pais e responsáveis buscam alternativas gratuitas e seguras para que os filhos passem o tempo depois das aulas. Nos fins de semana, com os pais disponíveis, o lazer passa a ser mais variado. No shopping, na praia, na rua ou na escola, é assim que os pequenos se incluem na sociedade e experienciam o mundo.
A falta de praças em boas condições e outras áreas de lazer na Rocinha faz com que a rotina de brincadeira se limite, muitas vezes, a esses espaços. Ruas e vielas também se tornam ambientes de diversão, principalmente entre os meninos, que jogam bola e “dão grau” de bicicleta até a hora de voltar para casa. Outros passatempos como pique-pega, pique-esconde, queimado e chocolate bem quentinho, são outros passatempos das crianças.
“A gente fica em uma uma roda com a mão assim (a palma virada para cima). Falamos ‘cho-co-la-te-bem-quen-ti-nho-um-dois-três’ e quando para o ‘três’ em uma pessoa, todo mundo da roda tem que dar três passos e ela tem que pisar no pé de alguém, que é eliminado. Se ela não conseguir, outra pessoa é escolhida para tentar pisar no pé de alguém”, explica uma criança.

O Projeto Tio Lino, na Rua da Raiz, atende 40 crianças de 5 a 15 anos e é gerido por Iris Santos, filha do idealizador Lino. A iniciativa oferece reforço escolar durante as manhãs e aulas como fotografia, dança e muay thai à tarde. O espaço ainda é utilizado para brincadeiras em grupo. . Kristal Virgínio, 10 anos, tem o projetoe a escola como principais ambientes de diversão. “Eu chego da escola, tomo banho, vou para a natação no Complexo Esportivo, passo em casa e venho para o Tio Lino. Aqui, eu gosto de fazer aula de fotografia e de dança, que hoje é passinho, brincar e fazer atividades novas. Meu pai não deixa eu brincar na rua, então, eu brinco de queimado na escola e de chocolate bem quentinho aqui”.
As paredes e armários da sala que acomoda as aulas e brincadeiras foram pintadas por voluntários vindos de várias partes do Rio de Janeiro e do mundo, entre eles, uma mulher russa. As crianças se entretêm com as cores, mapas e desenhos. Lucas Matheus, de 28 anos, conhecido como Coyote Mister Passista, dá aula de passinho no Tio Lino e vê com otimismo a influência que tem na vida das crianças. Para ele, crescer na Rocinha hoje é melhor do que era na sua época, especialmente por causa das oportunidades que projetos sociais e culturais oferecem.
“O poder que o artista tem de influenciar o desenvolvimento das crianças é grande. Quando danço com elas, abrimos uma rodinha e entra um de cada vez. Eu começo a dançar e elas ficam malucas, porque faço coisas que elas ainda não aprenderam, então, olham e falam ‘quero ser assim, quero trabalhar com isso’”.

Para as crianças, as brincadeiras não representam um passatempo passageiro, pelo contrário, influenciam o ideal de futuro que constroem durante a infância. Kristal faz aulas de canto porque quer seguir o sonho de ser cantora. Já Giovanna Oliveira, 10 anos, gosta de brincar com maquiagens e quer ser maquiadora quando crescer. Luiz Gustavo Ferreira, 10 anos, faz aulas de passinho no Tio Lino e se imagina como dançarino no futuro. João Paulo Antunes, 11 anos, pratica muay thai no mesmo projeto e quer se tornar lutador na modalidade.
Seja ao jogar bola, dançar ou brincar de salão de beleza, as brincadeiras cultivam ideias do que os pequenos podem ser quando crescer. Segundo a psicóloga e psicopedagoga Dandara Conceição, o brincar abre portas para o autoconhecimento e a inteligência e acompanha a educação formal nas decisões que são tomadas durante a vida.
“A criança começa a descobrir certas habilidades que possui, assim como percebe que gosta mais de algumas coisas do que de outras. Ela descobre facilidades, mas também encontra dificuldades”.
Ao ar livre ou em áreas controladas, as crianças exploram os espaços da Rocinha e seu entorno. Da Rua da Raiz ao Complexo Esportivo, do Terreirão às escolas, do Valão à praia de São Conrado, as crianças estão no mundo com as outras para aprender coisas novas e praticar toda a potencialidade que existe na vida.
*Esta matéria é fruto da parceria entre a disciplina de Extensão em Jornalismo e Cidadania, do curso de Comunicação da PUC-Rio, ministrada pela professora Lilian Saback, e o jornal Fala Roça. A colaboração, iniciada em 2022, busca promover uma formação jornalística mais humana, que desafie estereótipos e repense as narrativas sobre a favela.