Vozes da Cozinha: curtas metragens contam histórias de cozinheiros da Rocinha
Recheado de histórias deliciosas, o projeto Vozes da Cozinha: sabores, saberes e memória na Rocinha documentou, por cerca de três meses, 7 histórias de moradores atravessadas por uma culinária reveladora de muitos sentidos. Seis curtas documentais e um podcast em seis episódios contam as histórias de moradores da Rocinha e suas relações com a cozinha.
Realizado pela equipe do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), o lançamento dos curtas metragens aconteceu durante um festival de cinema e comidinhas, na Biblioteca Parque da Rocinha, quando foram lançados também o podcast do projeto e um livro de receitas. O material audiovisual faz parte agora do acervo do Museu Sankofa Memória e História da Rocinha.
Diante do telão do auditório da Biblioteca Parque, a plateia reviveu os momentos assistindo aos curtas e minidocs. Luiza Pereira de França, de 81 anos, participante das oficinas no Centro Rinaldo De Lamare, estava orgulhosa com a exibição. Em um dos encontros, ela fez um cuscuz que a fez lembrar suas raízes em Itabaiana, município da Paraíba. Desde que se mudou para o Rio de Janeiro, ela conserva o hábito de ter como primeira refeição do dia, inhame ou cuscuz, comuns no Nordeste e considerados “fits” no Sudeste.
“Aqui no Rio e em São Paulo, é o pão. Hoje em dia se fala dos males da farinha branca. Na Paraíba, o povo trabalhador se abastecia de força e saúde com um cuscuz com carne de manhã, inhame. Nas oficinas, eu pude lembrar dessas diferenças entre o lugar que eu vivia e o lugar que eu vivo hoje”, disse Luiza.
Outro personagem, o morador Phillipe Matos, 29 anos, reveza o prazer de cozinhar com os trabalhos que consegue como pedreiro e percussionista. Ele afirma que tem a melhor receita de empadinha de frango da Rocinha. “Quando eu era mais novo, minha mãe morava de aluguel, estava desempregada e buscando formas de arrumar dinheiro. Ela viu que vender salgados seria uma boa saída. Eu tinha uns 7 anos e fui acompanhando ela e tudo foi se encaminhando para que eu seguisse nesse ramo de cozinha.”, explica o cozinheiro.
O confeiteiro Nilton da Silva, de 58 anos, é um dos vendedores de sonhos mais antigos da Rocinha. Um dos doces mais queridinhos dos brasileiros, ele percorre os becos e vielas da Rocinha com uma tábua de sonhos toda semana há 30 anos.
De acordo com a coordenadora de projetos do CECIP, Gianne Neves, o foco do Vozes foi ouvir e registrar estas histórias, que revelam a alimentação e a cozinha como um lugar de produção de cultura, tecnologias, relações e soluções. “Os processos participativos de produção audiovisual são, no CECIP, uma metodologia que acreditamos ser ponto de partida para movimentos de transformação.”.
As gravações preencheram encheram as rotinas dos participantes com temperos especiais da vida: aprendizado mútuo, afeto e memória. Tudo isso registrado em oficinas realizadas no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do Centro Municipal de Cidadania Rinaldo De Lamare e no Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEJA) do Ciep Ayrton Senna.
Para a coordenadora do Ciep Ayrton Senna, Márcia Anchieta, o envolvimento e parceria foram destaques da iniciativa, motivos que devem ser celebrados em espaços voltados para a construção do conhecimento.
“É um momento muito emocionante pra mim. Primeiro porque a gente sonha muito sozinho dentro de uma escola e quando chega alguém que apoia, que chega junto é muito bom mesmo. Eu penso que a escola tem o privilégio de trabalhar o conhecimento, mas o conhecimento não está restrito à escola. Pelo contrário. Todo mundo é convidado a construir. Vocês foram ótimos professores. Aprendemos muito com vocês. Que bom ter parceiros assim que acreditam em trabalhar com a gente”, disse a coordenadora, dirigindo-se à equipe do Vozes.
No festival, estavam presentes a equipe que compôs o projeto: Gianne, Luciana Perpétuo, Silvia Fitipaldi, Daniela Tafuri, Iuri Rodrigues, Marcos Braz, Michele Macedo e Clara Nascimento, além do historiador e idealizador do Museu Sankofa, Antônio Firmino.
Firmino destacou a importância do acervo para a resistência e memória cultural na Rocinha, relembrando também ações históricas e atuais em parceria com o CECIP. Todas em prol da defesa e garantia da cidadania, da participação, da primeira infância e dos direitos humanos dos moradores.
A iniciativa foi realizada graças a um edital lançado no ano passado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
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