Nas favelas cariocas tem mão de obra para tudo. Até para as profissões do futuro. O morador Michael Araújo Rodrigues, de 25 anos, desce os becos da Vila Verde, na parte alta da Rocinha, todos os dias para reprogramar a vida. O jovem é um dos cadetes – como são chamados os alunos – da École 42, a maior escola de programação do mundo, com sede na Gamboa, na zona portuária do Rio.

A escola francesa ensina programação sem professor e tem 4 mil na lista de espera. Qualquer pessoa com mais de 18 anos, mesmo que não tenha terminado o ensino médio ou que nunca tenha programado, pode se candidatar.

A 42Rio, braço da escola francesa, é baseada em aprendizagem coletiva, onde você aprende ao mesmo tempo que ensina. Este processo é chamado de ‘peer topeer learning’, ou aprendizado entre pares. Um modelo de aprendizado no qual os participantes aprendem uns com os outros ao invés de um único professor. Exercitando o pensamento crítico, trabalho em grupo, comunicação e senso de comunidade.

Michael Rodrigues participou de um processo seletivo durante um ano até ser aprovado. Ele iniciou os estudos em 2023. “Não posso dizer que nasci programador, nem sabia o que era isso, a programação chegou um pouco tarde na minha vida e no meio de uma pandemia. A minha prioridade sempre foi colocar dinheiro em casa, nunca fui uma pessoa que amava estudar quando mais novo, mas antes de chegar nesse universo da programação eu tive que ralar muito como vendedor de loja, trabalhar restaurante, carregar peso em obra e só depois de tudo isso aparecer esse sistema uma única vez na minha vida.”, relata o jovem.

Os primeiros passos de Michael Rodrigues foi estudando por conta própria na web. Ainda na Rocinha, ele participou como aluno do projeto Fábrica Verde, realizado na Casa da Paz, uma localidade da Rocinha. O projeto transformava o lixo eletrônico em inclusão digital, ensinando o uso de sistemas de software, limpeza de hardware, montagem e manutenção de computadores e outras peças de tecnologia para inserção no mercado. 

O estudante sempre contribuiu financeiramente com os pais até ser demitido do emprego em um restaurante. Ele passou a dedicar o tempo livre para encontrar uma nova profissão. “Sempre foi um mundo muito distante [da tecnologia]. Meu primeiro celular foi com 16 anos. Tem muita gente que ainda não tem acesso a internet, a um computador, telefone e qualquer outra coisa. Então como falar de programação com essa galera? Nunca fiz faculdade e nem curso técnico. Mas isso não me deixou estagnado, sempre procurei por fora a motivação que eu precisava, hoje entendo que a educação é tudo.”.

Atualmente, o Brasil é um dos maiores exportadores dos profissionais de programação, de acordo com levantamento feito pela Catho. As remunerações geralmente são em dólares ou euro porque muitos programadores são recrutados no Brasil por empresas estrangeiras.

A curiosidade do menino o levou a conhecer a Plataforma Impact, organização social de educação em tecnologia, onde ele contribui até hoje sendo um facilitador de aprendizado.

Michael Rodrigue quer trazer os conhecimentos sobre programação para outros jovens da Rocinha. Foto: Osvaldo Lopes

“É suficiente um computador ou celular básico para começar a programar. Existem inúmeros cursos gratuitos na internet ou em outros espaços. A questão principal é, precisa querer pagar o preço de ficar horas sentado programando, aprendendo e trabalhando. E nem todos têm essa força de vontade, ou só querem ver o resultado final sem passar pelo processo”, avalia Michael Rodrigues.

O programador acredita que as favelas devem ter políticas públicas de acesso às novas tecnologias. Ainda há poucos programadores de inspiração para quem nasceu e foi criado nas favelas. “Eu quero muito ser inspiração para a próxima geração, quero muito poder ajudar vários projetos aqui do morro a tocarem seus negócios, ainda não sei como, mas eu quero.”, diz Michael Rodrigues.

Romper as barreiras sociais é uma das maiores conquistas de quem vem da favela. As barreiras sociais, como preconceitos, discriminação e estereótipos, limitam o acesso igualitário a oportunidades, recursos e direitos básicos para as pessoas. 

“Eu fico pirando às vezes na possibilidade de coisas que venho aprendendo, até mesmo as palavras em inglês que todo mundo adora usar e eu nunca nem ouvi, mas até isso pego fácil. Mas se tem uma coisa que eu sei hoje, é que não vou parar de me aperfeiçoar e mudar o dia a dia dos meus pais e de muitos adolescentes aqui do morro.”, finaliza esperançoso.

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