Justiça climática: a luta da Rocinha contra o racismo ambiental

De acordo com pesquisa, cerca de 11 mil residências na favela se encontram em áreas de risco, das quais 1,4 mil estão em vulnerabilidade muito alta

compartilhe!

“Aqui, quando chove, não é só a casa que a gente teme perder. É a saúde, é a história, é a vida.” O relato de Leandro Castro, morador da Rocinha e ativista ambiental e racial, resume a realidade enfrentada por milhares de famílias em comunidades periféricas do Brasil. Em meio ao calor extremo, à falta de saneamento básico e ao risco constante de deslizamentos e enchentes, a Rocinha se tornou símbolo de uma injustiça que vai além do território: a do racismo ambiental. 

Beco atravessado por curso de esgoto na Rocinha; moradores lutam por justiça climática. Foto: Reprodução]

No verão de 2024, o Rio de Janeiro registrou temperaturas que frequentemente ultrapassam os 40°C, intensificando o desconforto em comunidades como a Rocinha, onde vivem cerca de 70 mil pessoas, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A favela, assim como a maioria das comunidades do Rio de Janeiro, ainda lida com o saneamento básico precário construído pelos próprios moradores desde as suas ocupações.

Racismo ambiental é uma expressão das desigualdades estruturais que marcam a sociedade brasileira. Segundo a professora e pesquisadora da PUC-Rio, Irene Rizini, a manifestação ocorre quando populações vulnerabilizadas, em sua maioria negras e periféricas,  são mais expostas a riscos ambientais e menos contempladas por políticas públicas de mitigação e adaptação. 

“As enchentes, o calor extremo, a falta d’água e a proliferação de doenças atingem com muito mais força quem vive em favelas como a Rocinha. É uma questão de justiça climática, atravessada pelo racismo estrutural”, afirma Rizini. Ela aponta ainda que essas comunidades vivem em espaços altamente adensados, muitas vezes próximos a esgoto a céu aberto e áreas de risco, o que agrava os impactos das mudanças do clima na saúde física e mental dos moradores.

A invisibilidade dessas comunidades e a ausência de suas vozes no debate sobre as mudanças climáticas são pontos cruciais. Irene Rizini destaca, ainda, a importância de ouvir quem está na linha de frente dos impactos. 

“O tema da nossa última pesquisa, que é nacional, envolvendo 200 adolescentes e jovens, foi ouvir sobre suas perspectivas e opiniões em relação às mudanças climáticas no Brasil, como são impactados por mudanças climáticas e o que eles fazem ou não fazem ou gostariam de fazer em relação a isso. O objetivo é que as suas vozes e suas ações sejam levadas a sério, e que eles possam estar mais engajados”, explica a professora. 

A perspectiva dos moradores é fundamental para a construção de soluções eficazes. Jorge Oliveira, também morador da Rocinha e estudante de geografia da PUC-Rio, traz uma visão crítica sobre as abordagens de planejamento urbano que frequentemente desconsideram a vivência e a história de quem construiu esses territórios. Ele argumenta que, embora a remoção de moradores de áreas de risco possa parecer uma solução eficaz, precisa ser cuidadosamente planejada. 

Maior favela do Brasil enfrenta impactos das alterações climáticas. Foto: Bruno Itan

“Eu vou tirar esses moradores, eu vou dar uma garantia financeira ou um realocação de casa, só que ao mesmo tempo esse morador construiu essa história ali. A gente tem essas problemáticas acontecendo e esse planejamento urbano está acontecendo, ele é necessário, mas não pode ocorrer excluindo o morador; precisa entender quais são as problemáticas em torno do morador”, defende Jorge. Para ele, a chave está em um planejamento urbano que antecede a crise e seja preventivo, não apenas reativo.

“Se houvesse uma proposta de planejamento urbano, de moradia adequada para os moradores, eles não estariam ali e aquela obra não precisaria ser feita, ou até precisaria, mas sem o risco ao morador”, complementa. 

Outro ponto é a falta de urbanização na Rocinha, que causa deslizamentos todos os anos em dias de chuvas fortes no Rio de Janeiro. Como as casas são construídas em cima de cursos d’água , esse problema se agrava. De acordo com o assistente social, ativista e morador Leandro Castro, a dificuldade para a implementação de políticas públicas ainda é grande.

“É muito triste você ver que, dentro da estrutura, elaborar e implementar uma política pública não tem uma atenção para questões étnico-raciais, atravessadas também por essa discussão do saneamento básico, da própria justiça ambiental. Ainda mais quando a gente está falando no sentido de saneamento básico, que é uma coisa muito abrangente. A gente está falando de esgoto, lixo a céu aberto, água potável, a questão das chuvas, aumento da temperatura. São muitas questões que envolvem”, explica Leandro, que integra LEUS (Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais), da PUC-Rio.

A crise climática não afeta a todos da mesma forma. Na Rocinha, escancara o abismo entre o que é direito no papel e o que é realidade no cotidiano. Quando o risco de deslizamento se soma à ausência de saneamento, ao calor extremo e à invisibilidade política, o que está em jogo não é apenas o meio ambiente, é a própria ideia de cidadania.

A COP 30, que será sediada na cidade de Belém, no Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, vai reunir chefes de Estado para debater e buscar soluções para as alterações no clima e seus impactos para a população mundial. 

Assine o Fala Roça

Receba as notícias por e-mail