Mães solo: histórias e batalhas de 3 mulheres da Rocinha

Mais de 8 mil crianças nasceram com pais ausentes nos últimos 10 anos
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Ser mãe segue sendo um sonho presente na vida de muitas mulheres, mesmo diante da avalanche de sensações e responsabilidades que a maternidade pode representar. Principalmente, para aquelas que se tornam mães solo.

No Brasil, cerca de 11 milhões de mulheres criam seus filhos sem ajuda do pai da criança, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva. Na Rocinha, esta realidade não é diferente. Mas o que significa “mãe solo”?

Mães solo são mães por conta própria, seja por circunstâncias ou escolha. Algumas mulheres se tornam mães solo devido a situações inesperadas, como a morte de um parceiro, uma gravidez não planejada ou uma parceria (relação) que acaba. Outras, propositalmente, através de adoção, criação ou por reprodução artificial.

Até a década passada era comum chamar a experiência feminina de criar filhos sem apoio paterno de “mãe solteira”. Porém, hoje o uso da expressão é considerado inadequado por um motivo simples: “solteira” remete ao estado civil e nada tem a ver com o fato de uma mulher ser mãe. Algumas mães, mesmo casadas, podem ser as principais ou até mesmo as únicas encarregadas de cuidar dos filhos.

Além disso, a expressão “mãe solteira”, intencionalmente ou não, pode transmitir uma imagem negativa, um julgamento moral sobre a mulher e até a criança. Passa a sensação de que há algo faltando nesse tipo de criação, como se a presença da mulher não fosse o suficiente para ser “mãe”.

Até o Papa Francisco já se posicionou contra o uso do termo “mãe solteira”, afirmando que o termo retrata o preconceito social de que algumas mães sofrem por criarem seus filhos de forma independente.

Rafaela Braga, de 32 anos, Luana Nogueira, 33, e Cecília Solner, de 31, moradores da Rocinha, são mães solo e contam como a vida delas mudou após o nascimento dos filhos.

Rafaela Braga, 32 anos, recepcionista, moradora da Cachopa

“Trabalho em uma clínica veterinária há um ano e quem me ajuda na criação da minha filha são os meus pais, minha irmã e a pessoa que ela considera como pai, que cumpre esse papel. Com o meu salário consigo [pagar] o básico para ela, porque tem mais de um ano que pai dela não paga pensão. Eu arco com as despesas da escola, atividade de lazer… uma praia, pracinha, comer alguma coisa diferente. Mas, só com o meu salário fica bem apertado. Minha rotina é baseada na rotina dela. Tudo o que eu faço é pensando nela, se vai faltar alguma coisa, principalmente por causa do orçamento. Não é sobre mim. Deixo de comprar minhas coisas, mas para a minha filha não pode faltar nada

Fui mãe com 26 anos e me separei do pai da Heloísa, minha filha, quando ela tinha 1 ano e três meses. Quando nos separamos, ele era mais participativo. E, foi assim por um tempo… Mas, quando me casei novamente, ele abriu mão de ser o pai dela. Ele viu que outra pessoa estava ‘ocupando’ um espaço que era dele e se afastou. Eu nunca o impedi de ver nossa filha, mas ele não está perto porque não quer, questões dele. A Heloísa é muito inteligente. Eu não converso com ela sobre determinados assuntos, inclusive esse. Por ela ter vivido desde os 2 anos de idade com outra pessoa, minha filha o considera como pai e o chama assim. E o [pai] biológico, chama ele pelo nome. Na cabeça dela, não há essa conexão entre os dois.

Rafaela Braga ensina a filha a andar de patinente em uma quadra na Cachopa, localidade onde mora na Rocinha.

Para mim, ser mãe é um desafio e uma bênção. Mas, não tem como romantizar a maternidade porque é muito difícil. É um desafio pessoal, uma coisa que todos os dias eu acordo e durmo pensando na felicidade da Heloísa. E fico muito chateada quando não consigo atender algum pedido dela. Minha filha tem 6 anos, mas uma maturidade que, às vezes, me assusta. Ela dá importância para pequenos momentos que a deixam muito feliz. Somos grandes parceiras e tenho certeza que quando ela for maior, essa parceria vai continuar”.

Luana Nogueira, 33 anos, trancista, moradora da Rua 4

“Trabalho como trancista, mas como terminei o curso recentemente, ainda não tenho uma cartela grande de clientes. Tem dias que eu trabalho, tem dias que não. Com isso, não consigo me manter só com minha renda. Quem me ajuda financeiramente com meu filho são meus pais, porque a família do pai do meu filho não se interessa.

Fui mãe com 26 anos e me separei quando meu filho tinha 3 anos. O pai dele se afastou depois que conheceu a nova namorada dele, que mora em São Paulo. Ele se mudou para lá para viver com ela. Isso tem uns 4 anos. Ele pega o meu filho quatro vezes ao ano e paga uma pensão todo mês, mas precisei levar esse caso para a justiça.

Em segurança. Luana Nogueira acompanha o filho brincando em um balanço na praça da Rua 4.

Meu filho é o meu melhor amigo e meu parceiro para tudo! Ser mãe foi descobrir uma nova versão de mim que eu não sabia que existia. Eu não sabia que eu era forte assim, que eu podia amar alguém assim. Não sabia que eu teria meu coração batendo fora do meu peito. Meu filho é tudo para mim. Não consigo nem lembrar como era minha vida antes dele chegar!”

Cecília Solner, 31 anos, atendente de farmácia, moradora da Dionéia

“Saí de casa com 15 anos de idade porque era agredida pelo meu padrasto. Fui morar com o pai do meu primeiro filho, que hoje tem 14 anos. Eu estava grávida de 7 meses, mas consegui terminar meus estudos e voltei a trabalhar. Depois, terminei o relacionamento. Na segunda relação que tive, engravidei da minha filha do meio e como sempre, quando a mulher engravida sobra para ela. Tempos depois, tive um outro relacionamento e engravidei da minha terceira filha, a mais nova, que tem 11 meses. Dos três pais [dos filhos], o único que me ajuda é o da minha filha do meio, que tem 9 anos de idade. Os outros me ajudam de vez em quando, mas o dinheiro não dá para nada.

Eu moro sozinha, pago aluguel e meu mais velho fica em casa sozinho para eu poder trabalhar. Minha filha do meio fica com a minha mãe e a mais nova vai para a creche. Mas, só a creche e o aluguel é metade do meu salário. Eu preciso me virar para não deixar faltar nada para eles. Minha mãe e minha tia me ajudam bastante. A minha família é muito unida nessa questão para não deixar faltar nada. Eu trabalho como atendente em uma farmácia e dependo de uma meta que, caso seja batida, eu ganho um salário extra. Por mais que agora na pandemia a farmácia não tenha fechado, não é a mesma coisa que antes.

Em família. Cecília Solner posa cercada com os filhos em sua casa na Dionéia, parte alta da Rocinha. Fotos: Renato Araujo

Procuro sempre conversar com eles a respeito do pai, mas nunca falo mal e sempre levo para o lado positivo. O pai da minha segunda filha me ajuda financeiramente, mas não participa da criação. Ele não a vê, não sai e chegou a ficar quase 1 ano sem encontrar com ela, por mais que ele more na Rocinha. Eu me separei porque ele não tinha uma visão de futuro. Só eu trabalhava…
Fiquei até os 8 meses de gravidez trabalhando por causa da pandemia e era eu sozinha em tudo.

Até hoje é assim. Não posso contar [com ele] para nada e quando vem um dinheiro dele é muito pouco, cerca de R$30 ou R$70. Às vezes, eu fico sem comprar nada para mim para comprar para eles, mas sempre buscando o melhor. Antes, morava na Cachopa, agora moro na Dionéia, porque aqui é um pouco maior e temos um conforto.

Sou mãe solteira, tenho três filhos, pago minhas contas sozinha, sigo na luta e tenho orgulho de ser a mãe que eu sou. Não me arrependo de nada do que eu fiz por eles. Graças a Deus as coisas estão caminhando”.

Essa matéria faz parte da 11° edição impressa do Fala Roça
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