Roupas fardadas, chapéu na cabeça, cobra no pescoço e canivetes ao lado das vestimentas. Esses são os acessórios que caracterizam Mário Lúcio Mendes, mais conhecido como o Rambo da Rocinha. Com 63 anos, ele se tornou uma figura simbólica da favela, que vive desde a década de 1980, em uma caverna acima do túnel Zuzu Angel. 

Mário nasceu em Minas Gerais e veio para o Rio de Janeiro buscando uma oportunidade para melhorar de vida. Fez de tudo um pouco. Iniciou a carreira na capital carioca como atirador de facas em um circo, mas também trabalhou como vigilante de obras, até ser convidado para prestar serviços no Corpo de Bombeiros do Humaitá como bombeiro civil.

Rambo é uma figura histórica da favela da Rocinha. Ele  já presenciou de tudo: de tragédias à alegrias. Em entrevista ao Fala Roça, ele contou um pouco do seu dia a dia e relembrou momentos que passou dentro da favela, antes e depois de ir morar na  gruta. O local era usado antes para guardar materiais de obra da Prefeitura e do Estado. Confira: 

Rambo da Rocinha em frente a passarela. Foto: Rodrigo Silva

FR: Como surgiu o nome Rambo da Rocinha?

Rambo: Começou [a me chamarem por esse apelido] quando eu tinha cabelo grande em 1982. Fui fazer um rabo de cavalo, ergui a mão pra trás, já usava as vestimentas camufladas, então, falaram que parecia o Rambo [do filme americano]. Isso aconteceu na antiga passarela da Rocinha, perto de uma lanchonete 24 horas, e ali era o point. Até o Jô Soares me entrevistou e fez a mesma pergunta, de como surgiu esse nome. 

FR: Como você descobriu que ficou famoso na favela e como lidou com a fama? 

Rambo: Foi uma surpresa. Rambo significa um soldado de um exército só, ou seja, faço poda de árvore sozinho, se tiver que cair dentro da mata, vou sozinho, então, esse é um Rambo. Ele [o Rambo americano] é treinado pra tudo. Sei viver na mata, fazer rapel e podar. Tem um programa chamado: ‘Largados e Pelados’, que os moradores falam para eu me inscrever, mas não irei. 

FR: Você se sente solitário na gruta? Por que desce e frequenta a Rocinha?

Rambo: Não pense que sou um pobre coitado! Eu gosto de paz e a Rocinha cresceu muito. Se eu quero estar aqui embaixo [na Rocinha], vou ouvir barulho de som, de carro, de moto, mas a melhor terapia é onde eu moro. Não pensem que eu moro ruim não! Fica ruim pra eu subir e descer [da caverna] por conta da minha idade, mas eu amo lá! E, quanto mais calor aqui fora, melhor fica lá em cima, porque é mais fresco.

FR: O que você faz hoje em dia?

Rambo: Não sou muita coisa como antigamente. Tenho 63 anos de idade. Sempre ajudei os bombeiros do Estado do Rio de Janeiro e também vivo de podar árvores. Minha última missão foi em Itaipava, numa enchente ‘braba’. Nessa mesma época, muitas pessoas sofreram com enchentes aqui na Rocinha, e eu ajudei também. Sou um bombeiro civil, onde tiver problema, ajudo no que puder, apesar das minhas condições físicas terem reduzido. Infelizmente, recentemente, peguei tuberculose e pneumonia. 

FR: Qual é a sua relação com a Rocinha e a caverna?

Rambo: Cada um tem uma filosofia de vida. Tenho 43 anos de ‘ralação’ dentro daquele mato! Isso é a minha filosofia de vida. Se eu tô cansado, vou pro meu canto lá em cima Quando está frio aqui fora, lá está quentinho. Agora, está difícil subir por conta da obra da contenção de rochas… é um caminho mais longo e não posso cortar caminho… apenas os funcionários podem passar, mas depois volta ao normal quando a obra acabar. 

FR: Qual o momento mais marcante da sua vida na favela da Rocinha? 

Rambo: Uma época teve uma mulher que ganhou uma criança no meio de um tiroteio, perto do antigo Armazém do Chopp [parte baixa da Rocinha], no tempo que o BOPE ainda usava roupa preta. Eu estava lá e, quando me viram, pediram ajuda pra socorrer a mulher. Eu fui! Entrei no meio do tiroteio, coloquei luvas descartáveis e tirei a camisa. Busquei a mulher e a criança que tinha acabado de nascer no chão. Lembro que tremi demais! Trouxe eles correndo. Essa criança, era um menino, um ano depois encontrei com ele e dei um abraço. Fiquei muito emocionado! Aquilo foi marcante na minha vida… 

FR: Como é morar na caverna?

Rambo: Eu sou mineiro, adoro cozinhar a lenha e gosto de plantar. Eu tenho 60 metros de acerola, tenho dois pés de coco e faço poda de árvores pra outras pessoas. Assim levo minha vida, dentro da natureza. Vivo um dia após o outro. 

FR: Como você descobriu a caverna?

Rambo: Eu era vigilante na época, circulava por aqui [pela Rocinha] e tinha um quartinho pequeno na parte baixa do morro. Decidi acampar naquele mato [acima do túnel Zuzu Angel e que contorna parte da favela]. Sempre ao amanhecer, todo mundo me via subindo. Também pegava muito fogo ali na região da caverna e eu ajudava a apagar os incêndios. Agora, houve um reflorestamento na área e tá um bosque, quase uma selva. O ambiente que eu gosto e tem uns certos caminhos para chegar lá.

FR: Por que decidiu se formar no curso de bombeiro civil? 

Rambo: Uma vez aconteceu um desabamento, uma explosão de gás num prédio que não me recordo. Sei que era vigilante e comecei a ajudar os bombeiros nessa situação. Nisso, o capitão Aurélio me convidou para ir no quartel de Bombeiros no Humaitá, em 1982. Nem sei se o capitão Aurélio está vivo… Comecei o curso de bombeiro civil voluntário depois desse incidente. 

FR: Como você enxerga o conceito de comunidade na Rocinha hoje? 

Sempre tentei ajudar! As crianças me admiram aqui, são fãs. Eu acho que vou deixar saudades… Então, quero que elas cresçam e digam: “eu tinha foto com o Rambo quando era pequeno. Adorava ele!”. Jamais vou me desfazer de qualquer morador! 

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