A Via Sacra da Rocinha se apresentará na Sexta-Feira Santa, dia 29/03, às 20h, na Biblioteca Parque da Rocinha C4. O espetáculo artístico é profundamente enraizado na história e tradição da favela há 32 anos. “A Via Sacra tem por sua essência a denúncia, porque é algo que está ao nosso alcance, como artistas e moradores de favela” explica Robson Melo, de 41 anos e co-diretor da peça.

A cada ano, os moradores se unem para encenar não apenas a jornada de Jesus Cristo, mas também para refletir sobre questões sociais contemporâneas. Em 2024, o espetáculo evidencia a luta por direitos em cenas que expressam as batalhas diárias dos povos invisibilizados. “Este ano, estamos falando das mortes de crianças nas guerras”, explica Aurélio Mesquita, 50 anos, co-diretor da peça de teatro. 

O uso da arte como uma poderosa ferramenta de manifestação é a característica mais marcante deste espetáculo. “É uma denúncia, mas também uma homenagem à resistência daquele povo [palestino], que é também uma homenagem à resistência do povo da favela”, complementa Aurélio.

Para a Companhia de Teatro Roça CaçaCultura, a arte é uma expressão política que, apesar de não adotar alinhamento partidário ou abordagem panfletária, visa expor a falta de direitos vivenciada pelos moradores de favelas nas apresentações: “A constituição é literalmente bela, mas que, na prática, ainda não chegou aqui, estamos na Senzala”, opina Aurélio. 

Durante a entrevista, o co-diretor deu um spoiler (segredo), revelando uma cena que vai representar “o grupo da sociedade brasileira que gosta de ver o sofrimento dos outros”. O espetáculo vai tocar na ferida aberta da população brasileira referente ao ex-presidente Jair Bolsonaro: “um cara que ia pra televisão rir das pessoas que estavam morrendo de Covid, isso é sadismo”, opinou Aurélio.

Entre o reconhecimento e a escassez de apoio

A peça, reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro, desde 2015, não obteve apoio financeiro para a realização deste ano. A falta de recurso público exemplifica a desvalorização das iniciativas culturais locais pela Prefeitura e Estado do Rio de Janeiro, especialmente, as ações culturais realizadas dentro das favelas. 

“Se a Via Sacra da Rocinha fosse feita no Arpoador, teria empresas se estapeando para patrocinar, com milhões de reais, mas como é feita na favela, vira uma cruz para a produção conseguir botar para fora”, opina indignado Robson Melo, de 41 ano, morador da Rocinha e co-diretor do espetáculo. 

Segundo ele, as iniciativas culturais que ocorrem em períodos específicos, como a Via Sacra, realizada durante a Semana Santa, enfrentam dificuldades para se enquadrar em editais de financiamento público. Um dos impedimentos é  à burocracia excessiva dos formulários, o que acaba concentrando os recursos nas mãos de poucos.

“Como você briga com uma estrutura, que faz disso [a arte] uma indústria e não mais uma atividade de valorização e transformação humana? A política de incentivo à cultura nacional ainda é muito ruim”, detalha Robson Melo, sobre a dificuldade de garantir recursos. 

Apesar de serem responsáveis por promover eventos culturais no Rio de Janeiro, às secretarias de cultura mantiveram as portas fechadas para os produtores do espetáculo. A peça, que é gratuita, contraria os interesses da indústria cultural, que busca lucro.

“Essa forma que as pessoas veem a cultura como mercado descaracteriza essa cidade em que estamos inseridos. Dizem que a favela é parte integrante da cidade, mas se tudo que é feito não é pensado nela, então, essa integração aí é muito falsa”, analisa Robson Melo. 

Assine nossa newsletter

Receba uma curadoria das nossas reportagens.

VOCÊ TAMBÉM PODERÁ GOSTAR

Nova rainha da Acadêmicos da Rocinha quer resgatar vínculos com a Rocinha

A passista nascida e criada na Rocinha, Tatiana Rosa, 28 anos, foi…

Projeto na Rocinha empodera mulheres através da cultura do funk

Todo fim de semana os bailes funks de favelas são tomados por…

Podcast ‘Barraco Adentro’ lança temporada sobre conquistas históricas da Rocinha

O Barraco Adentro, podcast criado pelo jornalista Cleber Araújo, lançou no início…