
Vovó Alda, Te Amo: a cultura de homenagear moradores falecidos nos muros da Rocinha
A cultura de homenagear pessoas falecidas é uma tradição nas favelas, expressa de diversas formas, como em camisas, grafitadas ou faixas espalhadas pela Rocinha
Ao descer o Beco da Jaqueira, na Rua 1, localizada na parte alta da Rocinha, em um caminho movimentado por turistas e utilizado como “atalho” pelos moradores, duas paredes se destacam por uma frase simples, mas carregada de emoção: “Vovó Alda, Te amo.”
Também foi assim com Tio Lino, o Amendoim, Dona Elizia, a Nazaré da Rua 1, entre outros. Mas quem é Vovó Alda? Se perguntam moradores e visitantes curiosos pela história da figura que deixou uma marca tão afetuosa na favela. Será que ela continua viva ou será que é mais uma cria que, assim como tantas outras, permaneceram na memória do morro após partirem através de homenagens.

Em entrevista ao Fala Roça, Elisabeth Calixto, compartilha as histórias de sua mãe: Dona Alda Fernandes, que morreu em 2021, aos 91 anos. Ela conta como a presença de Alda transformou o beco onde moravam em um lugar de acolhimento e pura simpatia. Conhecida como “Vovó Alda”, a mãe de Elizabeth, sempre interagia com as pessoas que cruzavam o “beco” – o atalho – no percurso dos trajetos diários.
Natural do Espírito Santo, Dona Alda se mudou para a Rocinha em 1964 e construiu a família. Teve quatro filhos que cresceram entre os becos e vielas do morro e, mais tarde, ela se tornou a avó de quatro netos, por quem era profundamente apaixonada. Ficou conhecida por muitos moradores que acompanharam a trajetória dela na comunidade.
Em 2012, após toda uma vida na Rocinha, aos 82 anos, Dona Alda passou a viver restrita dentro de casa devido a problemas de saúde. Porém, nem a perda de memória retirou dela seu singular jeito carinhoso.
“Ela fazia questão de cumprimentar e conversar com as pessoas. Toda criança que passava, ela queria dar a mão. Pedia para a gente [os filhos] pegar umas moedas para poder dar às crianças que passavam”, conta Elizabeth, de 61 anos.

Legado de generosidade
Os vizinhos que conviviam diariamente com Alda também lembram do jeito carinhoso dela. “Eu moro no mesmo beco em que ela morava, em frente à janela onde ela ficava. Eu abria o portão de casa e lá estava ela, sempre meiga e carinhosa. Muita saudade dessa mulher de coração enorme”, comenta Rosângela Monteiro, de 62 anos.
O primeiro telefone convencional no beco foi o de Dona Alda. Por isso, muitos moradores utilizavam o telefone dela para receber recados ou encomendas que chegavam à Estrada da Gávea. “Ela descia correndo para chamar as pessoas, para passar o recado… ou botava alguma criança para buscar [a pessoa]”, relembra Leonardo dos Anjos, 43 anos, conhecido como Kiffy.
Kiffy foi uma das muitas crianças que recebeu os trocadinhos de Vovó Alda. “Eu comprava muito pão para ela e ganhava uns trocadinhos”, conta. Com essas moedas, ele juntava dinheiro para comprar coisas que queria, já que a mãe não tinha condições de dar uma mesada para ele naquela época.
Hoje, adulto, ele é o artista que eternizou a memória de Vovó Alda nas paredes do beco, onde Kiffy cresceu e ela viveu. “Toda vez que passo ali, eu falo ‘eterna Vovó Alda’. Já é mania falar isso, dá muita saudade dela”, conta emocionado.
Cuidado domiciliar
Durante os anos em que ficou acamada, o acompanhamento domiciliar dos vizinhos foi crucial para proporcionar mais conforto a Alda. Além disso, o CMS Dr. Albert Sabin, ofereceu suporte contínuo garantindo que “Vovó Alda” tivesse uma melhor qualidade de vida, nos últimos anos de vida.
O cuidado domiciliar era indispensável, especialmente porque Alda vivia em uma área da Rocinha complicado para efetuar deslocamento até as unidades de saúde. “Se o SUS não fizer, não tem qualidade de vida!”, afirma Elizabeth Calixto.

A filha de Vovó Alda ainda relembra que, durante a pandemia da Covid-19, a mãe ficou profundamente triste com o isolamento, uma vez que o contato com as pessoas sempre foi essencial para ela.
“Foi difícil convencê-la da importância de cuidar da saúde, pois, devido à idade avançada, ela fazia parte do grupo de risco”, recorda a filha.
Alda Calixto faleceu em 2021, em sua própria casa, após enfrentar ao longo dos anos múltiplos AVCs, além de demência e Alzheimer.