Como casas sem janelas agravam doenças respiratórias na Rocinha

Rocinha tem um dos maiores índices de tuberculose da cidade do Rio de Janeiro e a maior densidade populacional do país

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Dentro da Rocinha, algumas residências, quando possuem entrada ou saída de ar, são pequenas áreas que encontram barreiras para a circulação do ar. Pode ser a casa de um vizinho, uma vala ou até paredes de concreto que formam outro beco. Esta é a realidade de David Carlos, 29 anos. Ele e a família, enfrentam a tuberculose vivendo em uma kitnet localizada entre o Valão e a Rua 2. 

“Aqui na favela fica muito abafado por ter muito beco, construção e prédio um do lado do outro. Isso facilita não só a tuberculose, como também outras doenças cardiorrespiratórias. Peguei tuberculose duas vezes, uma delas foi tuberculose hemorrágica. Cheguei a pensar que ia morrer por escarrar muito sangue“, relata. 

Maior favela do país, com mais de 30 mil domicílios e 72 mil habitantes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Rocinha apresenta outro dado preocupante: é um dos bairros cariocas com a maior taxa de incidência de tuberculose. Aqui, a incidência da doença é dez vezes maior que a média do país, aponta a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 

Casas com janelas costumam ser mais valorizados na Rocinha, porém muitas moradias não possuem uma janela ou não recebem ventilação mesmo com janela. Fotos: Rodrigo Silva

David Carlos conta que a família contraiu diversas vezes outras doenças respiratórias além da tuberculose, como asma e bronquite. Só a mãe pegou cinco vezes a doença, causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, conhecida como bacilo de Koch. O efeito de reincidência da tuberculose é comum no morro. 

“Eu contraí a tuberculose na família. Parentes pegaram muitas vezes… Sabemos que é uma doença que dependendo do lugar que [se] mora e da imunidade é mais fácil de pegar. Ir pra rua, praia, pegar mais ar, acaba fortalecendo o corpo e evita que [nós] peguemos essas doenças”, comenta David.

Com a maior densidade populacional brasileira, 48,3 mil pessoas a cada km², o morro tem uma média de mais de 370 casos de tuberculose por 100 mil habitantes. Em 2023, o Rio de Janeiro registrou uma taxa de incidência de 70,7 casos por 100 mil habitantes, a terceira maior do Brasil, atrás de Roraima e Amazonas. Os dados foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Atualmente, na Rocinha, há 32 sub-bairros segundo a União de Pró Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR). Existem muitos domicílios colados uns nos outros. Muitas destas casas não possuem entradas ou saídas para a circulação de ar, o que facilita a propagação de doenças como asma, bronquite, rinite, sinusite e coronavírus. 

Tatiana Terry, 51 anos, arquiteta e professora de Arquitetura e Urbanismo na PUC-Rio, afirma que as casas na Rocinha sempre foram planejadas, mas há uma ausência de regulamentação urbanística. “O modo de construir na favela sempre teve planejamento. A Rocinha é uma área valorizada, mas não tem saneamento e os investimentos necessários, além da densidade populacional e arquitetônica, que já passou do limite”, ressalta. 

Para ela, “o restante da cidade tem uma legislação que define regras urbanísticas”, mas “o Estado lida com as favelas de maneira provisória”. É por isso que: “o problema da tuberculose é ligada à falta de distância mínima entre as residências, e isso impede a ventilação e iluminação correta entre as áreas”, analisa a arquiteta. 

Há alguns anos, a Rocinha foi inserida no programa Territórios Sociais. O projeto identifica e monitora famílias vulneráveis para serem acolhidas e acompanhadas nos serviços públicos da Prefeitura. A iniciativa do Instituto Pereira Passos (IPP) é composta por secretarias da Prefeitura, que contam com apoio da ONU-Habitat.

Anderson Lopes, 26 anos, morador da Vila Verde, descreve que um dos momentos mais difíceis da vida dele foi quando teve tuberculose. O rapaz contraiu a doença há quase três anos. Ele morava em uma kitnet localizada nos fundos da Vila Verde. O trabalho das agentes de saúde da Rocinha foi essencial durante o tratamento intensivo de seis meses, que precisou seguir para se curar da doença. 

“Peguei tuberculose em agosto de 2022. Foi uma fase difícil… Fiz o tratamento por seis meses e me recuperei graças a minha rede de apoio e aos agentes de saúde do morro. Minha casa era literalmente uma caverna, muito mofada, ruim, não tinha entrada de ar. Pra tomar ar, pegar sol, tinha que ir pra rua principal… A janela que tinha [na casa] dava pra parede do vizinho, deixava aberta, mas não entrava ar. Era realmente um porão, tudo fechado…”, retrata Anderson.

Como acontece a transmissão?

A tuberculose é transmitida pelas vias aéreas. A doença atinge principalmente os pulmões e pode afetar outras partes do corpo, como ossos, rins e meninges. O tratamento pode durar de seis meses a um ano, com uso de antibióticos, ofertado gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS).

No ranking mundial, é a segunda doença infecciosa que mais mata pessoas. Segundo a Secretaria de Saúde, ambientes fechados e com má ventilação facilitam a propagação de doenças respiratórias crônicas

Para a Josefa da Costa Brito, 55 anos, moradora e agente comunitária de saúde no alto da Rocinha, a questão habitacional é um dos principais problemas. Na visão da profissional, o crescimento desordenado da favela e dos domicílios, que normalmente abrigam mais de três pessoas, são uma das principais causas do alto índice de tuberculose no território.  

“Há um crescimento desordenado da comunidade. São muitas pessoas que moram e dividem o mesmo espaço dentro de [uma] casa. Não estão sendo colocados instrumentos que melhorem a questão habitacional e o saneamento básico na Rocinha. Muitas vezes nós [agentes de saúde comunitário] chegamos na casa do paciente e vê esgoto jorrando do lado da casa dele. É uma questão estrutural, de habitação e saneamento básico.”

Ela reforça que a tuberculose tem cura, porém, a população precisa do apoio de políticas públicas para o tratamento. 

“Tem medicamentos, tratamentos e profissionais de saúde que acompanham diariamente os pacientes. Mas a tuberculose está além da medicação e do acompanhamento profissional, a doença tem a ver com questões do ambiente e espaço que a pessoa vive. Precisa de melhorias de infraestrutura para avançarmos no combate à tuberculose, além do tratamento no SUS.”

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