Com a pandemia da Covid-19, a Rocinha e outras áreas de maior vulnerabilidade social têm enfrentado dificuldades para combater a nova doença, sobretudo pelos dados inconsistentes devido à subnotificação, agravada pela falta de ampla testagem. Com cerca de 100 mil habitantes, a Rocinha é a mais populosa do Rio de Janeiro, segundo o Censo das Favelas realizado pelo Governo do Estado. E em 2001, ela registrou o maior índice de casos de tuberculose, atingindo o auge do contágio com 451 casos por 100 mil habitantes.

A partir da ausência do poder público e o número de casos de tuberculose em alta, na época, diversos movimentos se organizaram para combater a doença. Morador da Rocinha há 30 anos, o geógrafo Antônio Carlos Firmino, que também é um dos fundadores do Museu Sankofa Rocinha – Memória e História, afirmou que “negar a ciência é negar a educação”. Ele fez um panorama da formação da Rocinha a partir das lutas comunitárias pela conquista de direitos coletivos à cidadania: moradia, educação, e saúde em seu sentido amplo. 

“A Rocinha começou, na década de 1970, com o Mutirão de Limpeza de Valas, que acompanhou o aumento da ocupação territorial e verticalização da favela. Este movimento teve algumas conquistas, dentre elas, a inauguração de uma unidade de saúde que permitisse a comunidade a ter acesso a atendimentos complexos, o Hospital Albert Sabin”, explica Firmino.

Outra moradora que atuou na linha de frente contra a tuberculose foi Rita Smith. Nascida e criada na Rocinha, ela é Agente Comunitária de Saúde (ACS) desde 2003. No entanto, após ter contraído a doença e ter pedido a mãe também para a tuberculose, desde 1984 Rita participa de movimentos para conscientizar os moradores. 

“Eu aprendi muito nessa época. A tuberculose é a consequência de uma série de fatores de precariedade como a falta de saneamento, e eu perdi minha mãe para a tuberculose. A Rocinha, como todas as favelas, está esquecida. É um quilombo de casas de alvenaria onde as pessoas são desassistidas pelo governo”, conta Rita Smith. 

Com anos de experiência como ACS, Rita ressaltou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para a recuperação de 93% dos casos no auge da doença e, no contexto atual, enxerga diferenças entre a estratégia de combate à tuberculose, e as estratégias contra a covid-19.

“O cuidado tem relação com a informação, com acesso à água para a higienização correta, com acesso à renda para a pessoa poder se manter em casa. Com a tuberculose, as equipes de saúde foram treinadas para fazer o rastreamento de contato. Os profissionais foram capacitados para localizarem os doentes e criarem uma rede de apoio para que ele permanecesse isolado, mas que os medicamentos e alimentos chegassem. Hoje, para ter direitos, a pessoa precisa se aglomerar, ir para a fila do banco, e com o desmonte do SUS que deu conta da tuberculose, a população se vê ainda mais desassistida”, avalia.

Dados da tuberculose e a contaminação da covid-19

No Brasil, em 2019, foram registrados 73.864 mil casos novos da doença. Apesar de ter cura, o abandono do tratamento é o principal motivo para a tuberculose ainda continuar fazendo vítimas fatais. A Rocinha esteve entre as primeiras na lista do ranking das localidades mais afetadas até 2016.

O pico da doença foi em 2001, com 455 casos por 100 mil habitantes, mas a queda dos números aconteceu devido ao trabalho das equipes de saúde e a urbanização das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A Secretaria Municipal de Saúde informou que até 2018, a Rocinha ocupou os primeiros lugares em incidência de tuberculose, quando estava em 6º lugar. No entanto, em 2019, o bairro deixou as dez primeiras posições. 

Segundo o Painel Rio covid-19, até o momento do fechamento desta reportagem, são 361 casos do novo coronavírus confirmados na Rocinha, com 309 recuperados. Na cidade do Rio de Janeiro, 36,4% dos casos de covid são em pessoas pretas ou pardas, contra 31,94% brancos (28,2% das pessoas não tem indicativo de cor/raça), e 52% pessoas infectadas são do sexo feminino. A falta de informações precisas reportadas aos portais oficiais dificultam bastante uma avaliação dos dados.

O impacto da covid-19 na vida das famílias

A mobilização social coletiva tem levado assistência às famílias da Rocinha. Rosangela Gomes, de 43 anos relatou como tem sido fundamental esse apoio para se manter com as filhas de 3 e 8 anos de idade, além do auxílio dos vizinhos. 

“Minha sobrinha foi demitida e não recebeu auxílio. Estou em casa, isolada, e consegui o recebimento de cesta básica da escola da minha filha mais nova, mas não conseguimos uma ajuda maior”, disse.  

O grande período de reclusão, assim como a falta de informação e a reabertura do comércio também foram pontuados como uma possibilidade de explicação para o fato das pessoas terem voltado a circular livremente pelas ruas e sem os cuidados necessários.

Para Antonio Firmino, o advento de movimentos antivacina e a proliferação de fake news pelas redes sociais, difundiram ideias negacionistas relacionadas à ciência. 

“As famílias são diretamente afetadas por esses aspectos, aumentando a exposição das pessoas à contaminação. A covid-19 é uma doença de fácil contaminação, e as informações oficiais levaram as pessoas a adotarem as medidas de segurança sugeridas pela OMS. No entanto, a flexibilização da quarentena, abertura gradual do comércio e a exposição em filas de banco em busca do auxílio forma tornando as medidas sanitárias cada vez menos utilizadas”, finaliza Rita Smith. 

*Jaciana Melquiades, correspondente local sob supervisão de Michel Silva no programa de microbolsas do Fala Roça, em parceria com Repórteres Sem Fronteiras – Brasil | Foto de capa: Allan Almeida

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