A Meta e o preço da desinformação nas favelas e periferias

O impacto da desinformação nas favelas e periferias com as novas mudanças da Meta e o risco para a democracia e a saúde pública.
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O anúncio de Mark Zuckerberg sobre as mudanças no Facebook e no Instagram joga um balde de água fria em quem luta diariamente por informação de qualidade, especialmente no jornalismo hiperlocal. Para territórios vulneráveis como as favelas e periferias, onde o acesso à educação midiática já é precário, a decisão de encerrar o programa de checagem de fatos e relaxar as políticas de moderação tem um impacto potencialmente devastador.

As redes sociais, gostemos ou não, são a principal fonte de informação para milhões de brasileiros. Em muitos territórios, moradores criam e se informam por grupos no WhatsApp e Facebook, principalmente. E é nesse contexto que o jornalismo local, feito nas favelas e periferias e para as favelas e periferias, tenta resistir. Em territórios onde a mídia tradicional muitas vezes só aparece para mostrar tragédia, iniciativas comunitárias trabalham com o que têm para informar sobre o que realmente importa: os problemas, as soluções do dia a dia, as conquistas locais e as lutas por direitos básicos, como saneamento e saúde.

Agora, imagine a seguinte cena: um território inteiro é bombardeado por fake news dizendo que vacinas são perigosas ou que um serviço essencial será suspenso. Antes, iniciativas de checagem de fatos ajudavam a corrigir essas mentiras. Agora, com a substituição dos fact-checkers por “notas de comunidade” — algo que mal sabemos como vai funcionar —, quem vai garantir que essas informações sejam contestadas a tempo?

Um exemplo claro desse impacto aconteceu em 2021, quando mais de 4 mil pessoas na Rocinha não tomaram a segunda dose da vacina contra a covid-19. Foi necessária uma reportagem para resgatar a história dos mutirões de vacinação no território e alertar sobre os cuidados contra a covid-19, combatendo as fake news sobre a eficácia das vacinas. Sem esforços como esse, muitas pessoas poderiam ter permanecido desinformadas, com consequências graves para a saúde coletiva.

A justificativa de Zuckerberg para as mudanças é reduzir a censura e voltar às “raízes da liberdade de expressão”. Mas, na prática, isso parece mais uma estratégia para agradar certos grupos políticos do que uma real preocupação com a pluralidade de vozes. A liberdade de expressão é um direito fundamental, claro. Mas ela precisa vir acompanhada de responsabilidade. E desinformação não é “expressão livre”; é manipulação.

Fotomontagem: Zuckerberg (de vermelho) e a favela da Rocinha ao fundo.

Para quem faz jornalismo nas favelas, essa decisão da Meta dificulta ainda mais o trabalho. O combate à desinformação já era desleal, porque os grandes produtores de fake news têm recursos infinitamente maiores do que nós. Agora, será ainda mais fácil espalhar mentiras e atacar iniciativas comunitárias, que muitas vezes são o último bastião de informação confiável nesses territórios.

Outro ponto preocupante é o enfraquecimento das políticas de conteúdo sobre temas sensíveis, como os relacionados às favelas e periferias. Em territórios onde o preconceito e a intolerância já são desafios diários, o afrouxamento dessas regras pode abrir espaço para discursos de ódio e aumentar as tensões. É frustrante perceber que, enquanto quem está na ponta batalha para empoderar seus territórios com informação de qualidade, decisões como essa vão na contramão, colocando em risco todo esse esforço.

As plataformas digitais devem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros, especialmente quando não tomam as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. O artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que trata da responsabilização das plataformas, ainda não oferece proteção suficiente a direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e a valores cruciais para a democracia, como o combate à desinformação. Se as plataformas não agirem de forma responsável, o impacto negativo será grande, especialmente para populações já vulneráveis a fake news.

O jornalismo das favelas e periferias não vai desistir. Seguiremos contando histórias que humanizam, desmentindo fake news e usando as ferramentas que ainda temos para informar quem precisa. Mas é impossível não sentir que estamos sendo empurrados para lutar em um campo ainda mais inclinado contra nós.

A Meta precisa entender que “dar voz às pessoas” é mais do que abrir um microfone sem filtro. É criar um ambiente onde essa voz tenha contexto, responsabilidade e verdade. Caso contrário, o que será amplificado não é a liberdade, mas a confusão. E quem paga o preço, como sempre, são os mais vulneráveis.

O próximo capítulo pode até estar começando, Zuckerberg, mas já sabemos quem serão as primeiras vítimas dessa história.

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