Moradores da Rocinha constroem rede de solidariedade em meio aos desafios

Na Rocinha, a solidariedade transforma vidas e desafia estigmas, mostrando como a união da comunidade é essencial para o bem-estar coletivo.
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Solidariedade é o motor de sobrevivência e existência nas favelas, uma realidade cada vez mais reconhecida por lideranças, moradores e pesquisadores nascidos nos becos. Há tempos, movimentos sociais colaboram no desenvolvimento dos morros, desafiando a visão de que a favela se resume à ausência de direitos básicos e à violência. Essa nova perspectiva destaca a favela como uma potência, onde a união e o apoio mútuo são fundamentais para enfrentar os desafios cotidianos.

É uma forma de ser que se revela no cotidiano da favela, atravessado por ações simples, mas que revelam o caráter de quem é cria. Com 72.021 moradores, segundo o IBGE (2022), a Rocinha tem uma teia de solidariedade e cuidado coletivo. Dar carona, carregar bolsas pesadas e cuidar dos filhos de outras pessoas são atos que fazem toda diferença. Para a cria e assistente social, Cleonice Lopes, a cultura da colaboração dentro do morro traz incentivo para “nos unirmos em uma só luta em busca do bem viver”.

“A favela é uma parte da cidade que contribui com mão de obra para manter a engrenagem da economia dessa [cidade] funcionando. Acredito que por conta das dificuldades cotidianas, a população se une na tentativa de viver melhor. Ao longo de nossa história, a favela sempre foi retratada como local de bandidagem, mas quem mora em favela sabe que somos muito mais que isso”, destaca.

Têm histórias na Rocinha que provam: a solidariedade é um fator genético. É o caso de gerações de famílias com práticas solidárias de amor e respeito ao próximo, como os irmãos: Nando e Gusto. Moradores da Rua Três, eles dão continuidade ao trabalho iniciado pela avó Georgina Maciel. Ela criou uma cozinha solidária na favela de Macedo Sobrinho, removida na década de 1960.

Leda, na porta de sua casa, com o filtro de água que disponibiliza para todos. Foto: Karen Fontoura.

Os pais de Nando e Gusto, seguindo os passos da matriarca, ofereciam comida e aulas de reforço para crianças mais necessitadas na Rocinha. Agora são os irmãos que oferecem aulas de alfabetização, violão, inglês, jiu-jitsu e informática para crianças de 5 a 12 anos. Todos os dias o lanche é garantido no Centro Social Educação e Cultura da Rocinha. As atividades são gratuitas.

 “Minha avó começou esse trabalho e puxou minha mãe e meu pai. O trabalho não é a gente faz, só continuamos o que eles começaram. Tudo que a gente faz com amor a gente recebe amor. A gente faz pra ajudar. A força vem da minha avó!”, afirma Tio Nando, como é chamado.

Aos sábados, as aulas acontecem ao longo do dia, e não falta almoço feito na cozinha solidária, herança de Dona Georgina. Para os irmãos, o senso de solidariedade muda a favela. Aos 15 anos, Tio Gusto, como é mais conhecido, conta que participou do mutirão para colocar a manilha que desviaria a água, que corria na Rua Três.

Pessoas de diferentes partes do morro colocam a mão na massa sem receber nada em troca.

Quem sobe a Rua 1, conhece a solidariedade de outra família. Há muitos anos, Leda Paiva deixa um filtro com água no portão de casa para quem quiser matar a sede ao chegar à parte mais alta da Rocinha. A ação é herança deixada pela mãe dela e já é uma referência no morro. Para ela, o lar é como uma “casa da solidariedade”. Além da água, ela também divide com a vizinhança as folhas do pé de aroeira do quintal. São gestos generosos como esse que movimentam e mantêm a favela como espaço de pertencimento e união.

“Não é preciso ter muito pra ajudar o próximo. A água mata a sede e acaba deixando um aprendizado pra gente. É algo tão simples, mas que faz a diferença na vida das pessoas. E elas são gratas eternamente. Solidariedade é isso: ter um olhar para o próximo, entender a necessidade e não tirar proveito disso. Pequenas ações nossas fazem a diferença”, ensina.

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