Torre Verde da Rocinha, referência em economia circular, é desmontada por falta de recursos financeiros
*Colaborou Valdete Lima
Enquanto o G20 se prepara para discutir o financiamento climático no Rio de Janeiro, um projeto inovador na Rocinha está sendo desmontado por falta de recursos. A Torre Verde, que une hortas, compostagem e energia solar em uma estrutura de 12,5 metros de altura com 4 pavimentos e poderia servir de modelo para a sustentabilidade, enfrenta sua própria crise financeira.
A Torre fica no pátio entre o CIEP Doutor Bento Rubião e a escola municipal Luiz Paulo Horta. Juntas, cerca de 780 crianças são beneficiadas com aulas de educação ambiental e segurança alimentar, numa parceria com as coordenações pedagógicas das escolas.
Mônica Garcia, coordenadora da Torre Verde, observava incrédula os operários da empresa contratada enquanto removiam a estrutura de andaime na manhã de segunda-feira (19/8).
“Os alunos recolhem cascas de frutas e legumes que viram adubos. Recolhem também tampinhas de refrigerante que viram jardineiras. A gente planta e colhe com as crianças. Tudo que a gente colhe é consumido nas cozinhas dessas escolas. A gente produzia mais energia do que consumíamos. Nossa energia cobria as máquinas da Torre Verde e o nosso excedente, o crédito de energia era lançado para a escola e eles pagavam a metade da conta de luz dela.”, lamentou Mônica Garcia.
O crédito de energia solar é um sistema que permite que você “guarde” essa energia extra que você gerou. Em vez de desperdiçar a energia excedente, você pode enviá-la de volta para a rede elétrica da sua companhia de energia. Em troca, a empresa lhe dá “créditos” que você pode usar mais tarde.
O projeto foi fomentado com R$ 487 mil no fim de 2021 por um edital da FAPERJ chamado Programa Favela em apoio as bases do Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha, que faz parte de uma rede integrada que inclui Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Emprego e Relações Internacionais (SEDEERI), Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) e Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro.
Montada sob andaime, o aluguel do material custava R$ 10 mil por mês. Nos últimos meses, a Safecon, empresa que alugava o andaime, parou de receber os pagamentos. “Tentamos a continuidade amigavelmente sem sucesso, só nos restando a retirada do equipamento.”, disse Marcelo Correa, diretor técnico da empresa. E ressaltou: “Adoramos ter participado do projeto e contribuir com a educação ecológica da comunidade.”.
Em um ano em que o tema central do G20 é precisamente como investir em soluções climáticas, a triste ironia é que as favelas e periferias brasileiras que poderiam se beneficiar dessas políticas estão sendo deixadas de lado, demonstrando mais uma vez que, para algumas áreas, o discurso sobre sustentabilidade parece não sair do papel.
Editais, vaquinha e promessas
A Torre Verde promoveu uma campanha de financiamento no ano passado para arrecadar R$ 100 mil, mas só conseguiram R$ 20 mil. “A vaquinha pagamos alguns meses, mas não deu para pagar tudo. Passamos no edital Centelha, entretanto, a verba só cairá no próximo mês.”, disse Giliard Barreto, educador ambiental do projeto que passou mal e precisou de atendimento no dia em que recebeu a notícia da desmontagem da torre.
O Programa Centelha é uma política pública que pretende estimular a criação de empreendimentos inovadores e disseminar a cultura empreendedora em todas as regiões do Brasil. A Torre Verde foi um dos 50 projetos selecionados no Rio de Janeiro para receber até R$ 70 mil como investimento, além de R$ 26 mil em bolsas via CNPq. A iniciativa é do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Finep, é realizada em parceria com o CNPq, o CONFAP e a Fundação CERTI.
A Subsecretária de Recursos Hídricos e Sustentabilidade do Governo do Rio, Ana Asti, conheceu o projeto e sinalizou que recursos do Fundo Estadual de Controle Ambiental (FECAM) seriam concedidos para que o projeto pudesse continuar atuando na Rocinha e ser replicado para o Complexo do Alemão e o conjunto de favelas da Maré.
Criado na década de 80, o FECAM visa apoiar projetos ambientais e de desenvolvimento urbano. Anualmente, o fundo recebe aproximadamente R$ 400 milhões de royalties do petróleo, sendo 5% da camada pós-sal e 5% do pré-sal. Além disso, as multas administrativas da Secretaria de Meio Ambiente e condenações judiciais por irregularidades também são destinadas a este fundo.
Mesmo com o fim da estrutura de andaime, a Torre Verde não acabou. A equipe está estudando novas estruturas, como a alvenaria e bambu. As metas qualitativas e quantitativas foram atingidas e a replicação do modelo para outras localidades foi comprovada. “Estamos deixando um legado para a favela, para a escola e nós vamos voltar. São 20 anos atuando na área social da Rocinha e sempre aprendemos a nos reerguer”, finaliza Giliard Barreto.