Como podemos melhorar a vida acadêmica de um morador de favela? Dez conclusões encontradas no Desenrola Rocinha
Em julho, o Fala Roça realizou um Desenrola Rocinha com 20 moradores universitários. Eles discutiram e pensaram soluções sobre os desafios no acesso e permanência nas universidades públicas.
25 moradores ingressaram em universidades públicas em 2022, mostrou um levantamento feito pelo Fala Roça através da Lei de Acesso à Informação. A maioria, 18 moradores, se matricularam em cursos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Não há dados sobre moradores matriculados em universidades privadas, porém há universitários que optaram por essa opção.
Em julho, o Fala Roça realizou um Desenrola Rocinha com 20 moradores universitários. Eles discutiram e pensaram soluções sobre os desafios no acesso e permanência nas universidades públicas e privadas.
A seguir listamos as questões mais desafiadoras, segundo os participantes.
Desconhecimento de programas de bolsas e ações afirmativas
Ingressar na universidade é como mergulhar num mar desconhecido. Muitos moradores desconhecem os programas de bolsas de estudo, políticas de cotas e ações afirmativas que podem oferecer oportunidades de ingresso e permanência na universidade. Muitos estudantes da Rocinha não têm acesso a informações sobre essas iniciativas que visam promover a inclusão social e a diversidade no ensino superior.
Falta de referência familiar e cultura enraizada
Outro obstáculo importante é a falta de referência familiar em relação ao ensino superior. A Rocinha possui alto índice de analfabetismo funcional em jovens e adultos. Em muitas famílias, a tradição é seguir carreiras profissionais mais próximas da realidade local, o que pode desestimular os jovens a buscarem uma formação acadêmica. A cultura arraigada na favela também pode influenciar a percepção sobre a importância da educação superior.
Limitação no acesso à refeição gratuita em instituições
O acesso à refeição gratuita é essencial para garantir a permanência na universidade. No entanto, a disponibilidade desse recurso é limitada em algumas instituições, o que pode comprometer a nutrição e o bem-estar desses estudantes durante os estudos. O dinheiro para as refeições vem do Pnaes – Plano Nacional de Assistência Estudantil – que cobre alimentação, moradia e transporte, mas não é suficiente. As universidades federais enfrentam crise por falta de verba para manutenção e auxílio para estudantes há anos. Para muitos estudantes em situação de vulnerabilidade, eles contam apenas com a refeição diária fornecida pelos restaurantes universitários.
Barreiras linguísticas em atividades acadêmicas
A falta de conhecimento em línguas estrangeiras também foi mencionada como um desafio. Alguns estudantes da Rocinha enfrentam dificuldades em participar de atividades acadêmicas, como palestras e eventos, que demandam o domínio de outros idiomas, dificultando seu pleno envolvimento no ambiente acadêmico. Uma das soluções propostas é a oferta de bolsas de estudo e descontos em cursos de idiomas para superar as barreiras linguísticas. Com o acesso a programas de idiomas, os estudantes poderão se qualificar para oportunidades acadêmicas e profissionais no exterior, expandindo seus horizontes e enriquecendo suas perspectivas educacionais.
Grade de horários incompatível com trabalho
Outro ponto destacado é a incompatibilidade entre a grade de horários das universidades e o trabalho dos estudantes. Muitos jovens precisam trabalhar para contribuir com a renda familiar e custear seus estudos, o que pode resultar em uma carga horária extenuante e comprometer o desempenho acadêmico. Não há saúde mental que garanta um bom CR. Uma proposta ousada envolve a implementação de projetos de políticas de permanência como parte integrante da grade curricular dos estudantes, desde o ensino básico até a universidade. Essas políticas forneceriam suporte financeiro e psicossocial contínuo, fortalecendo o compromisso e a dedicação dos alunos aos seus estudos.
Burocracia no acesso à isenção de taxas de inscrição
A burocracia no acesso à isenção das taxas de inscrição em processos seletivos também foi apontada como um desafio enfrentado pelos estudantes da Rocinha. A falta de clareza nos procedimentos pode dificultar o acesso a esses benefícios, tornando o caminho para a universidade ainda mais árduo. Garantir a isenção da taxa de inscrição em vestibulares públicos e privados para estudantes da rede pública é outra solução essencial. Essa medida reduziria as barreiras financeiras que muitos estudantes enfrentam ao tentar ingressar no ensino superior, tornando o processo mais inclusivo e acessível a todos.
Necessidade de um bilhete único intermodal
A falta de um bilhete único intermodal é outro obstáculo enfrentado pelos estudantes da Rocinha. O sistema de transporte público atual contempla apenas o acesso ao ônibus, o que pode dificultar o deslocamento diário para a universidade, especialmente quando há necessidade de utilizar mais de um meio de transporte. Para superar o desafio da distância e transporte, os participantes sugeriram uma parceria público-privada com o MetrôRio e SuperVia para ampliar a capacidade de deslocamento dos estudantes. Essa parceria pode resultar em tarifas reduzidas e maior oferta de transporte, facilitando o acesso às universidades e contribuindo para a assiduidade dos alunos.
Instituto federal técnico e profissionalizante
Nem todo mundo quer cursar uma faculdade. A construção de um instituto federal de ensino técnico e profissionalizante é uma demanda antiga dos moradores da Rocinha. Hoje a Rocinha tem apenas o CIEP 303 Ayrton Senna da Silva como referência de ensino médio para os jovens do morro. Construir um instituto federal instituição beneficiaria aqueles estudantes que têm interesse em formações técnicas e profissionalizantes, proporcionando opções educacionais alinhadas às necessidades do mercado de trabalho e contribuindo para o desenvolvimento da favela.
Universidades em parceria com organizações comunitárias
“Eles entram na favela e levam nossos conhecimentos”. A aproximação das universidades com as organizações comunitárias nas favelas devem ir além das pesquisas universitárias. A parceria das universidades públicas e privadas com as organizações comunitárias permitiria que os estudantes tivessem acesso a recursos acadêmicos e orientação profissional diretamente em suas favelas, facilitando o processo de aprendizagem e incentivo ao conhecimento. O Fala Roça já mostrou que existem mais de 160 iniciativas comunitárias identificadas no Mapa Cultural da Rocinha.
A implementação de projetos educacionais focados no fortalecimento da inteligência psicossocial no ensino de base também foi destacada como possível caminho para a atuação das universidades nas favelas. Essa abordagem visa preparar os alunos para enfrentar desafios emocionais e sociais, desenvolvendo habilidades de resiliência e autogestão desde cedo.
Incentivos fiscais para ações sociais do setor privado
Para auxiliar os estudantes na subsistência durante a formação, os participantes propuseram a criação de incentivos fiscais para ações sociais promovidas pelo setor privado. Isso encorajaria empresas a desenvolverem projetos de responsabilidade social que apoiem financeiramente os estudantes, garantindo sua permanência nos estudos.
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Reportagem produzida com as contribuições dos moradores Amanda Gomes, Aurileide Melo Dias, Danrley Ferreira, Junior Rezende, Gabriela Farias, Kevin Santos, Lauredy Maciel, Lorena Ximenes, Luana Gomes, Maria Eduarda Gomes, Mauricelia Azevedo, Miriam Santos, Nathália da Silva, Rafael Juvencio e Raphaella Chagas.