Mestre Manel, como é popularmente conhecido, já levou sua arte para inúmeros países e acaba de retornar de apresentações na Itália com seu grupo. Como muitos migrantes nordestinos, veio parar na Rocinha e daqui não saiu mais. Hoje se considera bem sucedido, formou muitos jovens que seguem praticando capoeira e conquistou o respeito da comunidade.

Natural de Itaju do Colônia, na Bahia, Manoel Costa tem 60 anos e se orgulha de dizer que vive da capoeira. Quando chegou ao Rio, em 1980, tinha dinheiro para apenas três dias na cidade e procurava emprego. “Fiz um amigo no segundo dia no Rio de Janeiro. Era um bombeiro chamado Sinatra. Ele me ofereceu abrigo por alguns dias na casa dele, em Belford Roxo. Pegamos um ônibus na Central e o lugar não chegava nunca. Parecia que estava voltando para a Bahia de tão longe que era”, relembra rindo.

Naquela época, o Rio de Janeiro vivia uma expansão e a construção civil gerava muitos empregos. A obra de construção do atual prédio da Prefeitura, na Cidade Nova, que na época era chamado de “piranhão”, virou o posto de trabalho do Mestre Manel por um ano. A ideia de trabalhar como servente de obras tinha um fundamento bem específico: eles ofereciam moradia para os trabalhadores. “Estudei pouco. No meu tempo a gente não tinha muita opção. Era estudar ou comer”, contou.

Durante o ano em que deu expediente na obra, ele juntou todo dinheiro que podia para investir no seu próprio negócio. Começou a dar aulas de capoeira e também a produzir artesanalmente vestidos, cintos, bolsas e sandálias. “Vendia na Uruguaiana. Corri muito do rapa”, conta ele. Nessa mesma época, começou a dar aulas de capoeira em uma escola particular da Gávea e logo veio morar na Rocinha.

Alunos participam de aula de capoeira no Complexo Esportivo da Rocinha. Foto: Murillo Mello
Alunos participam de aula de capoeira no Complexo Esportivo da Rocinha. Foto: Murillo Mello

A chegada na Rocinha

Chegar aqui foi um choque de realidade. “Na roça onde eu fui criado usávamos armas para caçar animais e comer. Quando vi armas aqui pela primeira vez fiquei assustado, principalmente por saber que, na cidade grande, as armas eram para matar pessoas”, relembra ele.

Assim como a capoeira foi um motor de transformação da vida dele, Manel imaginou que isso poderia ser potente na vida de outras pessoas também. Seu trabalho na Rocinha começou na ASPA (Ação Social Padre Anchieta), nos anos 80, e ele afirma com muito orgulho que “muitos alunos daquela época seguem na capoeira, tem seus grupos, também vivem exclusivamente disso e seguem passando os ensinamentos adiante. É isso que importa”. 

Acorda Capoeira pelo mundo

O atual grupo liderado pelo Mestre Manel é o Acorda Capoeira, que existe a quase 15  anos e tem cerca de trezentos alunos na Rocinha. O grupo cresceu e tem alguns representantes vivendo em países da Europa. A Capoeira é muito conhecida ao redor do mundo e considerada pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade desde 2014. Manel e seus alunos viajam frequentemente para apresentações contratadas por escolas particulares de fora do país, em geral. “Já fomos para uns 12 países, já perdi as contas”, conta ele, todo orgulhoso, fazendo questão de frisar que não fala nenhum outro idioma, mas quando chega lá, se vira bem.

Durante um voo Mestre Manel conheceu uma aeromoça e contou a ela sua história. Ela se tornou sua aluna e, hoje, é parceira do projeto fornecendo passagens aéreas para algumas das apresentações internacionais do grupo. 

“Somos bem recebidos em qualquer lugar graças à capoeira”, contou, explicando que em suas apresentações faz questão de falar bem do Rio de Janeiro e da Rocinha, frisando que aqui mora muita gente boa e que o que a mídia reproduz sobre a favela quase nunca representa quem nós somos de verdade.

Equipe do Acorda Capoeira que acaba de retornar da Itália. Foto: Murillo Mello
Equipe do Acorda Capoeira que acaba de retornar da Itália. Foto: Murillo Mello

Profissão: capoeirista

Pelo menos 11 alunos do Acorda Capoeira já são profissionais e dão aulas em diversos lugares da Zona Sul. Parte da renda obtida com as aulas é revertida em materiais, uniformes e instrumentos para o restante do grupo. É assim que o Acorda Capoeira sustenta suas atividades.

O grande sonho do mestre e do grupo é ter uma sede. Manel explica que o trabalho no exterior paga muito bem e o grupo pretende juntar o dinheiro dessas apresentações internacionais para investir na compra de um espaço próprio dentro da Rocinha. A ideia é ter uma estrutura adequada para poder formar novos capoeiristas desde a infância. “A capoeira forma cidadãos para vida, além da roda, do esporte. É disciplina, respeito, educação para a vida toda”, ressalta Manel. 

As aulas do Acorda Capoeira são oferecidas gratuitamente nos seguintes espaços:

Complexo Esportivo da Rocinha
Terças e quintas, das 19h às 22h
Quartas e sextas, das 9h às 11h
Quartas e sextas, das 14h às 17h
Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem (Fundação)
Segundas e quartas, das 17h às 18h
Quadra da Cachopa
Segundas e quartas, das 18h às 19h
ONG do Gaguinho (Rua 2)
Quartas e sextas, das 18h às 19h

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