Com 200 músicas gravadas, Ocimar Santos resgata memórias da Rocinha em composições

Ocimar começou a compor com 15 anos. Hoje, tem mais de 1.000 composições e 200 músicas gravadas. 

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Cantar aproxima, isso é certo. Mas as músicas sobre as favelas vão além. Compor sobre a vida no morro é valorizar até as memórias mais simples, transformando em som a conexão com suas raízes. Não para mascarar os desafios, mas para expressar a dor com poesia e celebrar a alegria de, por exemplo, fazer parte da maior favela do Brasil.

A chegada da luz elétrica, o alargamento da Rua 4, a praia sem calçadão, churrasquinho de tripa de porco, corrida de rolimã, de “mijo”, campinho de barro, guerra de ovo podre, o Beto da sopa, o clube SOREG, Jorge “Mamão”, Império, Unidos e Sangue Jovem. São algumas das memórias resgatadas por Ocimar Santos, compositor de 58 anos. “O que me encanta é falar do cotidiano da favela”, confessa. Ocimar começou a compor com 15 anos. Hoje, tem mais de 1.000 letras e 200 músicas gravadas. 

Ele cresceu no Atalho 307, na Paula Brito, na parte alta da Rocinha. Na época, convenceu o pai a comprar, de um vendedor que ia de porta em porta, um livro vermelho de capa dura recheado com poesias infantis. Ocimar passava o dia lendo, memorizando e escrevendo os próprios  poemas. “Eu fazia versos para as minhas namoradinhas e elas ficavam derretidas”, brinca.

Com o tempo, ele foi aprendendo a escrever sobre mais coisas além do amor, como a vida em geral. Logo, começou a fazer composições sobre a favela onde vivia. Nas disputas acirradas para ver quem ganhava o samba-enredo da Acadêmicos, ele retratava a Rocinha com muito cuidado. Para vencer, era fundamental ter bons parceiros de trabalho. Foi nesse ambiente que Ocimar conheceu Renato da Rocinha, que se tornaria um grande amigo e um dos principais intérpretes de suas músicas.

Especialmente, duas músicas ganharam o Brasil na voz de Renato. “Existe um Lugar” fala da Rocinha como um todo e da alegria de “morar no alto do morro com vista pro mar”. Já “Meandros da Ladeira”, concentra-se nas memórias da infância. Resgata afetos do passado, como soltar pipa, brincar de pique-esconde, pegar jaca e colher jambo. Por mais que tenham sido compostas separadamente, por carregarem ideias parecidas, as duas foram gravadas em forma de uma só música. Juntas, elas expressam uma força especial: 

“Saudar a Rocinha e as suas lindas cores pincelando mil amores frutos da recordação”.

Ocimar Santos

Ocimar escreve sobre sua vida e suas lembranças. Ele diz que, ao fazer isso, “a pessoa acaba mergulhando na sua própria história”. Como Fernando Pessoa já falou: “Quando eu era criança, vivi sem saber, só pra hoje ter aquela lembrança”. A música aqui serve como uma ponte, permitindo que quem mora lá cante sobre si mesmo com orgulho.

“Eu sou morador daqui à vida toda e nunca diria que as coisas ruins não existem”, explica Ocimar. Mas ele também quer mostrar o que mudou. Ele se lembra dos barracos de madeira e da dificuldade de se locomover pelo morro antes, quando não tinha mototáxi. “Não dá pra esquecer o preço que pagamos pra chegar até aqui”, defende.

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