Como o Instituto Reação transforma vidas através do judô

Desde o início, a ideia de Flávio Canto era ensinar aos jovens mais do que judô. Ele queria mostrar como eles podiam reagir, aprender a cair e se levantar, e acreditar em si mesmos, usando o lema: "Formar faixas-pretas dentro e fora do tatame".
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Naquele dia, Leonardo Barbosa, então com 20 anos, acordou bem cedo e ansioso. Saiu de casa na Cachopa, na Rocinha, rumo à Ilha do Fundão, na zona norte do Rio. Chegando na Federação Brasileira de Judô, ele se sentou e esperou ser chamado. Friozinho na barriga o acompanhou por longos minutos. Até que finalmente, uma voz anunciou: “Leonardo Barbosa, a frente, por favor”. 

A partir daquele momento, ele levaria na cintura a tão sonhada faixa preta de judô. Hoje, com 20 anos de casa, ele é professor e reconhecido por “Sensei Leozinho” no projeto em que foi aluno. Léo começou a treinar nos anos 2000, com apenas oito anos, convencido por um amigo, no Projeto Criança Futuro

As aulas aconteciam na Via Ápia e um dos professores era o atleta Flávio Canto, que, mais tarde, seria medalhista olímpico, ganhando o bronze nos Jogos de Atenas. Em 2003, ele fundou com seu ex-treinador Geraldo Bernardes, e outros atletas, o Instituto Reação

À época, o projeto tinha três unidades: Rocinha, Cidade de Deus e na Pequena Cruzada (Lagoa). Léo é um dos jovens que estudaram no polo Rocinha. Atualmente, o Instituto Reação está em cinco estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Minas Gerais. No total, são 12 polos. 

Desde o começo, a ideia de Flávio era ensinar aos jovens mais do que artes marciais. O objetivo era mostrar como eles podiam reagir, aprender a cair, levantar e acreditar em si, a partir de um lema: “Formar faixas-pretas dentro e fora do tatame”. 

“Desde sempre, entendemos o esporte e a educação como ferramentas muito potentes”, afirma Juliana Borenstein, gerente de programas do Reação desde 2015. Além da Escola Faixa-Preta, que oferece aulas de judô e jiu-jitsu. 

O Instituto também tem os programas Reação Educação; Reação Olímpico; Bolsas de Estudo; Reação com Elas; Reação Conecta; entre outros. Por meio da ação integrada de senseis, pedagogos e gestores, a organização alcança somente no polo Rocinha, mais de 600 alunos, beneficiando cerca de  4.500 jovens. 

Entre os vários jovens que passam pelo instituto, alguns se dedicam ao alto rendimento no esporte. Esses recebem o apoio de diversos profissionais nas áreas de psicologia, nutrição, fisioterapia e preparação física, que dão suporte aos treinamentos diários. 

Rafaela Silva é uma das grandes referências. Ela entrou no Reação com oito anos e treinava no polo da Cidade de Deus. Em 2016, no Parque Olímpico do Rio, a menos de 2km de casa, ela se tornou a primeira – e até os Jogos Olímpicos de Paris – a única campeã olímpica da arte-marcial no Brasil. 

Hoje, o programa inteiro contempla mais de 200 atletas. Gabriel Falcão, com uma carreira de destaque e apenas 20 anos, é um deles. “Eu já nasci dentro do tatame”, afirma. Gabriel começou no judô, incentivado pelo pai, com apenas três anos. Ele morava em Cachoeira de Macacu, município do interior do Rio de Janeiro. 

No começo, Gabriel ia e voltava da capital duas vezes por semana para treinar. Até ele se mudar com a família para ficar mais perto do objetivo: se dedicar ao judô de segunda a sábado. De manhã, ele faz musculação, à tarde, tem treino técnico, e à noite, “randori”: o treino de luta. 

“É uma parada que você tem que querer de verdade. Se não, vai faltando detalhe e os detalhes que fazem a diferença”, destaca. Em 2023, ele esteve no pódio do maior campeonato que havia participado. Mesmo sendo pouco experiente, Gabriel trouxe do Chile o ouro nos Jogos Pan-Americanos, resultado do comprometimento do atleta. 

Educação, bolsas e conecta

O programa Reação Educação oferece aulas e atividades complementares à escola. “A gente busca desenvolver as habilidades e trabalhar os conteúdos que na maioria das vezes não estão sendo abordados em sala de aula”, conta Mariana Barbosa, que entrou no Instituto como educadora, em 2016. Atualmente, ela coordena o programa em todos os estados. 

As atividades são desenvolvidas por cinco faixas etárias: dos mais novos de 4 a 6 anos até os mais velhos acima de 16 e são pensados de forma conjunta por educadores do Reação em todo o país. Ela explica que, a cada ano, é eleito um tema chave para ser trabalhado dentro dos projetos. O tema deste ano são os sonhos dos jovens. Sonho enquanto desejo de um futuro diferente no âmbito individual e coletivo, além do sonho enquanto criatividade e imaginação. 

Para trabalhar os objetivos de vida com os alunos de quatro anos, por exemplo, um dos assuntos abordados é a noção de tempo: o que são meses, dias, horas, a partir da ideia de que, para se ter metas, primeiro, é preciso saber quando e como se planejar. 

Já no âmbito coletivo, conta Mariana, a noção de tempo trabalhada foi a do “sonho da construção de uma sociedade que é essa que estamos construindo juntos?”. Para isso, nas turmas dos alunos mais velhos, foram apresentados grandes nomes, como Martin Luther King e Nelson Mandela.

A perspectiva do sonho enquanto fantasia também foi abordada. “A gente entende que para sonhar alto, você tem que explorar a sua imaginação. Porque às vezes a realidade é tão dura que não permite sonhar”. Os alunos conheceram nesta etapa artistas como: Dali, Basquiat, Frida Kahlo e Van Gogh. 

“A gente tem que desconstruir aquela ideia de uma educação tradicional que é muito desconectada do aluno”, conclui Juliana Borenstein. No [Instituto] Reação, os alunos foram estimulados a analisar, investigar, problematizar, construindo juntos o conhecimento com os educadores.

Além das aulas do programa de educação, o Reação também oferece um programa de bolsas e outro de entrada no mercado de trabalho. Os estudantes que estão presentes nas atividades e se destacam, 8,75%, recebem a oportunidade de estudar em diversas instituições privadas da cidade, entre cursos de línguas, escolas e universidades. 

Os alunos bolsistas são acompanhados de perto pela equipe. Eles têm entregas e metas que precisam atingir para manterem o benefício. Já o Reação Conecta, segundo Juliana, é o programa que foi criado para dar “uma resposta para toda essa angústia do jovem que não sabe para onde ir e precisa entrar no mercado de trabalho”. 

O programa integra alunos interessados com empresas e vagas abertas, além de oferecer cursos e oficinas de capacitação. O sensei Leozinho, cria da Cachopa, com 33 anos agora, ele foi um dos jovens beneficiados com bolsas integrais pelo programa. 

“Aqui a gente aprende que a gente é capaz. Com certeza a minha faixa preta fora do tatame foi o diploma”, opina. 

Leonardo foi o primeiro da família a ter uma faculdade. Ele se formou em Educação Física na Universidade Estácio de Sá. “Até cheguei a chorar um pouquinho, perdi a postura de cria”, brinca ao contar sobre o dia da formatura.

Para o futuro, Leonardo pretende ajudar mais crianças a alcançarem seus sonhos. “É um dever meu agora transmitir todo esse conhecimento que recebi. Quanto mais a gente passa adiante o que foi bom para a gente, nos tornamos maiores”. 

Para aqueles que pretendem começar a praticar judô através do Reação, existem três períodos de entrada: no mês de março, maio e agosto. As famílias devem procurar a secretaria do polo desejado, colocar o nome na lista de espera e, no período de matrícula, os nomes são chamados a partir do número de vagas.

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