“A gente faz o treinamento com algumas técnicas de defesa nas aulas práticas e depois eu faço uma roda de conversa com alunas. Mas, enquanto está acontecendo o treinamento, a gente brinca, ri e socializamos muito”, garante Mirela Machado, de 40 anos e treinadora do projeto no polo da Rocinha desde a abertura. Faixa preta em Jiu Jitsu e moradora da favela, ela faz parte do time de professoras do Programa Empoderadas voltado à prevenção e enfrentamento da violência contra mulheres no estado.

Promovido pela Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro, o programa tem o objetivo de oferecer aulas técnicas de segurança e autonomia para mulheres prevenirem a violência física e psicológica em casa, na rua e até em transportes públicos. Com mais de 50 unidades em todo o estado, o programa oferece aulas na Rocinha desde 2019.

Com aulas de defesa pessoal, as alunas aprendem como agir em situações de levar um puxão de cabelo, serem seguradas pelo braço ou empurradas durante uma briga, conseguindo escapar dos agressores. Em 2021, foram 229 casos registrados e 95 ameaçadas a cada 24 horas, de acordo com o Dossiê Mulher. 

Segundo o relatório, no Rio de Janeiro, a cada cinco minutos uma mulher é vítima de algum tipo de violência. Os dados, publicados anualmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), visam a aumentar a visibilidade da violência contra mulheres para o desenvolvimento de políticas públicas.

O Programa Empoderadas é uma resposta do governo do Estado ainda ao crescimento de mulheres vítimas de violência doméstica e outras agressões. Mas, principalmente, uma ação contra o aumento de casos de feminicídio: nome dado ao assassinato de uma mulher em decorrência de violência doméstica ou a discriminação de gênero. 

Em 2018, 350 mulheres morreram vítimas desse crime. O número oficialmente registrado caiu em quatro anos, mas ainda é considerado alto. Ano passado, foram 85 mulheres mortas vítimas de feminicídio e houve 264 tentativas. Os dados referente ao ano de 2022. 

O programa Empoderadas também orienta em rodas de conversa sobre outros tipos de violência: a moral, a psicológica,a  sexual e a patrimonial, funcionando como uma rede de acolhimento dando apoio jurídico, atendimento psicológico e informações que podem parecer triviais, mas fazem a diferença em situações de violência.  

É para todas

Na Rocinha, as aulas acontecem na Primeira Igreja Batista da Rocinha, n° 436, todas às quintas-feiras das 8h às 10h da manhã, presencialmente com a professora Mirela Machado. O curso é voltado para todas as mulheres a partir dos 12 anos de idade e não tem idade máxima limite para frequentar as aulas. 

Mais de 150 mulheres já fizeram parte do projeto apenas no pólo dentro da comunidade que também conta com cursos profissionalizantes para as mulheres.

“Durante as aulas eu observo as alunas que ficam mais paradas e quietinhas, porque às vezes a pessoa só quer conversar e expor algum problema que esteja acontecendo na vida dela. Aqui, fazemos o possível para ajudar encaminhando para o psicólogo, oferecendo um curso profissionalizante para a pessoa ter uma independência financeira ou até mesmo, dando um suporte jurídico. Tudo gratuitamente”, explica a professora e faixa preta de Jiu-Jitsu, Mirela Machado. 

Outras orientações que são oferecidas pelo curso são sobre o assédio ou importunação sexual  nas ruas, transportes públicos e nos carros de aplicativos, informando qual é a postura adequada para facilitar uma fuga, de obter uma visão mais panorâmica do ambiente, se manter mais segura e acionar o socorro.

 “A gente fala onde é botão que tem que apertar dentro do metrô para informar ao maquinista que alguma coisa está errada, e mandar um alerta para cabine de segurança mais próxima para auxiliar a vítima para que ela não precise enfrentar o criminoso sozinha, muitas pessoas não conhecem” explica a coordenadora técnica do curso Amanda Becker.

Meta é expandir programa

A idealizadora do Programa Empoderadas é Erika Paes, ex-lutadora de MMA e Especialista de Segurança da Mulher. Ela trouxe o projeto “Eu sei me defender” do Pará para o Rio de Janeiro, em 2018. As primeiras turmas começaram nas favelas de Manguinhos e no Complexo do Alemão. Posteriormente, o projeto foi vinculado ao Governo do Estado em 2021, ano em que foi rebatizado de “Programa Empoderadas”.

Com mais de 50 unidades, a meta do projeto é conseguir se expandir para 91 municípios do Estado até o segundo semestre de 2023. No programa, os professores recebem constantemente treinamento através de workshops, uma vez que os instrutores não dão aula apenas de defesa pessoal, mas promovem rodas para dar autonomia, conhecimento e suporte às mulheres.  

“Quando a Erika Paes me chamou para fazer parte do programa, eu achei um máximo! Porque todas as mulheres que eu tenho um contato mais próximo, já passaram por algum tipo de violência. Ser uma referência de liderança feminina na batalha contra a violência na comunidade da Rocinha me deixou muito motivada. Hoje, eu sou mais empoderada e consigo empoderar mais mulheres também. É muito gratificante”, afirma Mirela Machado, professora e faixa preta de Jiu-Jitsu.

Empoderadas para eles

O projeto Empoderadas também conta com professores homens. Eles estão em uma nova frente do programa: o “Empoderadas Para Eles”. A ideia é orientar crianças e adolescentes sobre boas práticas de convivência social para formar uma frente de jovens mais conscientes sobre os tipos de violência contra mulher. 

O processo seguirá a metodologia do Empoderadas, que através de aulas de jiu-jitsu promove além de técnicas de defesa rodas de conversas com orientações sobre o tema. “Vai ter aulas práticas de autodefesa, mas também trabalhando muito na mente dos meninos de como abordar [reagir] ao ver um amiguinho falando algo agressivo ou um bullying com alguma garota”, explica Jadir Rosa, professor de Jiu Jitsu. 

Para ele, é importante criar um novo comportamento não apenas individual, mas coletivo. “Quando eles começam a se cobrar sobre o próprio comportamento, começamos a abrir a mente deles. Futuramente, eles serão homens melhores”, opina.  

De acordo com Jadir Rosa, o Programa Empoderadas é muito mais do que um trabalho de instrução de defesa pessoal devido ao enfoque de autoconhecimento sobre a sociedade brasileira, que é “muito machista ainda”. Ele conta o impacto que vem sendo participar do projeto. 

“Quando você entende o que é o [Programa] Empoderadas, [percebe] que é totalmente diferente. Entramos achando que era [um projeto] de aula de Jiu-Jitsu e defesa pessoal, coisa que a gente domina, mas nas palestras… ao escutar pela primeira vez [tudo], foi muito impactante. Porque eu já pratiquei a maioria dessas violências que é falada nas palestras”,  desabafa o professor de  faixa preta de Jiu-Jitsu. 

E conclui: “Nunca cheguei a agredir, mas mesmo assim, eu me senti horrível. Reconheci como eu já havia agido errado. Tive um aprendizado enorme e eu mudei muito”. 

O Programa Empoderadas ainda não atende outros Estados do Brasil. Porém, a coordenadora técnica do projeto, Amanda Becker explica que o crescimento do projeto é um movimento natural. Ela acredita que haja interesse em outros estados do país de promover o Empoderadas. 

“O programa está sendo muito efetivo na vida das pessoas que estão fazendo parte dele, levando um resultado positivo na vida delas devido a quantidade de assistência que o programa oferece”, opina.

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