O rap é um dos gêneros musicais mais ouvidos do mundo. No Brasil, é o 7º estilo musical mais ouvido em todo o país. Surgido nas ruas jamaicanas nos anos 60, o rap foi adotado pelos guetos norte-americanos com grupos como NWA, Public Enemy e adaptado a realidade do Brasil por grandes nomes da música como Racionais Mc’s, Sabotage, Planet Hemp, Facção Central e RZO em favelas e periferias de todo o país. 

No Rio de Janeiro, as referências do rap são artistas cariocas como Marcelo D2, MV Bill, BK’ Black Alien, Filipe Ret, Orochi, Xamã, Ebony,  Cabelinho e Chefin. Eles são inspiração para uma nova geração de jovens rappers como o coletivo Collab de Cria, que conta com projetos musicais que narram o cotidiano e as vivências e “corres” da juventude da Rocinha. 

“A collab é a união de forças e vontades. Queremos que todos nós cresçamos juntos. Aqui nós trazemos a realidade de dentro do morro mesmo. Queremos chegar lá em cima juntos! Mas, o mais importante é mantermos a nossa fidelidade com aquilo que vivemos aqui, porque de estereótipos já bastam as visões que a grande mídia em si trata a favela e o favelado”, explica o grupo.

Criado em 2020, o Collab de Cria não é apenas um coletivo de rappers, mas “é a união de diversos sonhos e a busca do mesmo objetivo dentro do RAP” de 11 jovens. Através da ferramenta do rap, juntos, de forma individual e também coletiva, eles têm o objetivo de narrar realidades de crias de favelas ignoradas pelos telejornais. 

“Tentamos trazer a visão e a vivência que o jornal não passa. Nós temos noção das vivências que existem aqui. Por isso, sabemos que o crime é o crime e não é algo que tem glamour. Nós cantamos para que o menor desde pequeno entenda isso”,  ressaltam os integrantes do grupo. 

Atualmente, o Collab de Cria é formado por: Lucas “Fast” Alves (22),  Salomão “Tsalo” de Sousa (25), Sergio “SG” Luis dos Santos (27) Matheus “Clima Leve” Machado (24), Yuri “Funabem” Castro (24), Nicolas “Nikc” Santos (23), Romário “Bomcof” Santos (26), Jonatas “Didior” Batista da Costa (27), Matheus “Mano R7” Ribas (27), e Pablo “Pablinho Fantásico” Machado (30). 

“Nos juntamos de uma forma espontânea e fizemos acontecer. Fizemos músicas, clipes e temos inúmeros projetos musicais que ainda não saíram, mas vão sair. No começo, vimos que poderíamos ser e construir algo em cima disso. E aí nasceu a Collab”, resumem os 11 jovens. 

E completam: “Cada um de nós já tínhamos contato de um ou de outro. Juntamos a vontade de comer com a fome. E daí, deu no que deu”, destacam. No total, são 11 projetos musicais: Homenagem ao Proibidão, G3 do Barney, Donda de Boteco, Na Relikia, Desculpa, Bling Bling Boy, Esse é o Meu Momento, além do sucesso  CRIMENOW, com quase 25 mil views no Spotify

O grupo tem também EP’s e álbuns gravados como AK-NETA, Astrocria e Crime News vol.1 e até mesmo mini-documentários, nos quais eles contam como é o processo de expressar as visões de crias de favela em cada clipe. Além disso, também contam com músicas em álbuns de artistas como OG BRITTO, TOKIODK  e VND

Rap na Rocinha

Assim como o funk, o rap denuncia as mazelas e diversas realidades existentes dentro das favelas. Em cada letra e produção de videoclipes, por exemplo, o Collab de Cria destaca não só as origens do estilo musical, mas também a responsabilidade do gênero na formação e expressão da juventude nas favelas.

“Além de ser uma válvula de escape [o rap]. É maneiro saber que amigos nossos ouvem as músicas e falam que elas falaram sobre sentimentos [deles] daquele momento, como já aconteceu com amigos que lutam e estão em competição. É maneiro poder transmitir sentimentos através da música. A música foi a forma de expressar para fora sentimentos que estão aqui dentro”, dizem Tsalo e Didior.  

Para o grupo, a Roda Cultural da Rocinha, além de propagar a mensagem do rap dentro da favela, ainda enquanto movimento artístico, promove a valorização cultural musical do gênero na Praça do Skate, na Curva do S. Além do Colab de Cria, a Rocinha possui outras referências no Rap como: Maxwell Alexandre, Salemm e Covil do Flow

“A existência de diferentes artistas e grupos musicais da Rocinha é necessária porque mostra para quem nos vê, que é possível, que podemos inspirar outros que estão vindo. Mas, também somos um mal para muitas pessoas que não gostam de ver a ascensão de grupos musicais de favelados ou que querem manter o estereótipo da favela”, opina Fast. 

O coletivo de rappers critica a apropriação cultural feita por parte de artistas que não têm as mesmas vivências, mas utilizam a Rocinha como uma espécie de trampolim para visibilidade do trabalho na mídia, usando a favela como um produto ou imagem. 

“Não cantamos músicas que falam sobre crime na favela porque é atrativo. Nós cantamos porque é a vivência que temos. Por que um playboy não canta sobre isso? Porque ele não sai de casa e encontra um cara armado [no caminho], já nós cantamos as vivências de um favelado. Nós vemos e vivemos diversas realidades aqui dentro que só nós sabemos”, protesta o grupo. 

E conclui: “As pessoas que não vem do morro, mas, vem aqui para usufruir, elas vendem um produto fictício [porque] ele nunca passou por aquilo, mas mesmo assim vende [uma música] de acordo como [vivesse] na sua mente. O que tratamos na [nossa] música é a realidade que, às vezes, é a história de um amigo, de um parente…Infelizmente, essa é a realidade que vivemos”, afirmam.

Cenário de Clipes

Apesar da crítica, o Collab de Cria acredita que a vinda de artistas como Oruam, Orochi, Poze do Rodo, Ludmilla, L7nnon, Tasha & Tracie e PL Quest no morro “é uma questão de  liberdade artística”. Assim como o funk, é comum rappers usarem becos, vielas e lajes da Rocinha como cenário para a gravação de clipes musicais, que já somam mais de 250 milhões de views na plataforma do Youtube

“Não vamos limitar essas pessoas e nem falar que é errado porque sabemos que elas tratam [a Rocinha] de outra forma. Só que para nós é diferente, porque é algo que vivemos mesmo. A Rocinha para a gente é a nossa maior fonte de inspiração. Pelo seu tamanho, nos dá uma sensação de liberdade absurda, mas sabemos que ela também tem suas limitações por conta das condições sociais”, defende Fast. 

Para o coletivo de rappers, existe no cenário musical do rap e do funk uma “gourmetização” das favelas da Zona Sul. “As pessoas acham que muitas coisas aqui não ocorrem como em outras favelas, mas sabemos que não é assim. Vem com a visão de que vai dar ‘a oportunidade de aparecer na Rocinha’. Sendo que, o que acontece, é o contrário. Sabemos disso pelo nosso pertencimento enquanto moradores e artistas”, garante Funabem.  

E pondera: “Imagina se nós tivéssemos o tamanho desses grandes artistas e ficássemos no lugar de origem deles, e não fizéssemos o mínimo pelo local deles? É como se você entrasse na nossa casa e fizesse o que quiser e nem olhasse para nenhum de nós aqui dentro”. 

Espaço de sonhos 

O Collab de Cria tem grandes ambições. Eles sonham com um futuro em que a Rocinha sirva de local para a ascensão e o protagonismo de novos artistas do rap. “Nós queremos antes de mais nada o reconhecimento desse lugar de origem [a Rocinha]” como um “espaço de música”. 

Para os 11 integrantes do Collab, essa conquista pode tornar possível que artistas como o coletivo possam viver de música de fato e transformar a vida na Rocinha. Eles sonham com uma favela que seja alimentada pela música. 

“A favela não venceu, mas pode estar no caminho. Somos potência e vamos alcançar nossos sonhos, que é dar esse retorno a ela. Enquanto uma pessoa não tiver oportunidade, ninguém tem. Como diz o Lord, em Favela Vive 5: ‘se tem um passando fome, ninguém tá alimentado’. Então, nosso desejo é poder dar esse retorno de volta à nossa origem, estruturar [o trabalho] com um estúdio… Quem sabe fechar um patrocínio”, deslumbram os rappers. 

Segundo o Collab de Cria, o futuro deve ser construído para mostrar às pessoas que é possível viver em meio às adversidades. “Quem sabe até fazer um evento onde as pessoas possam aproveitar [a cultura] e nós, possamos ajudar muitos aqui que precisam com uma cesta! Fazer o que pudermos para ver essa favela ter todo o sucesso [reconhecido]”.

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