Planejado como instrumento de acesso da favela à universidade e de construção de uma educação crítica e transformadora, os pré-vestibulares comunitários gratuitos ou com preços acessíveis são essenciais na preparação de jovens e adultos em vulnerabilidade socioeconômica.

A caloura de Serviço Social da UERJ, Yasmin Silva, de 21 anos, tentou entrar no curso duas vezes através do ENEM. Ex-aluna do pré-vestibular comunitário Só Cria, a primeira opção de curso era pedagogia, mas foram os tios e amigos que sugeriram a troca de curso ao perceber que Yasmin vive defendendo pautas sociais das classes populares. “Minha tia Lucimar que falou da inscrição para o pré-vestibular, e eu fui. Não vou dizer que foi fácil estudar online na pandemia, e a internet não ajuda, mas consegui uma boa pontuação e a aprovação da cota”, avalia a jovem.

O pré-vestibular comunitário Só Cria é destinado aos moradores de todas as idades na Rocinha com turmas extras na favela da FICAP, na Pavuna e na Barreira do Vasco, em São Cristóvão. A ideia de criar o pré-vestibular surgiu em 2019 com Caio Oliveira, 23 anos, fundador e coordenador do vestibular em parceria com as Brigadas Populares e o Movimenta Rocinha. 

“Quando a gente pensa em pré-vestibular da favela todo mundo pensa que vai ser só mais um favelado na universidade. Quando na verdade é um local de transformação social. A educação é uma porta para galgar um espaço que é nosso por direito e deveres”, afirma Caio Oliveira.

Yasmin Silva, 21 anos, trocou pedagogia por Serviço Social, na UERJ. Foto: Acervo pessoal

Uma pesquisa feita  em junho do ano passado, pelo Congresso Nacional da Juventude, mostrou que 30% dos jovens pensam em abandonar a escola depois da pandemia. A evasão, que sempre foi um problema enfrentado pelos pré-vestibulares comunitários, se tornou ainda maior durante a pandemia. Em outra pesquisa feita pelo CESEC, em 2016, mostrou que apenas 2,3% dos moradores de áreas com UPP tem ensino superior completo.

O Pré-vestibular Comunitário da Rocinha (PVCR), um dos cursinhos populares mais antigos da Rocinha, também registrou moradores sendo aprovados em faculdades do Rio de Janeiro. É o caso da ex-aluna Maria Esther, 23 anos, moradora do Trampolim, na parte baixa da Rocinha. Para a jovem, as aulas no ano passado fizeram diferença em meio a instabilidade mundial. 

“Depois de tanto tempo fazendo vestibular você percebe depois de um tempo que 50% da prova é sobre preparação prática (em conteúdo) e 50% é sobre preparação psicológica”, diz Maria Esther, que complementa: “Ver professores que vieram de onde você veio e entendem as suas questões socioculturais é um bônus né? Você se sente mais capaz de alcançar os objetivos”. 

De acordo com a coordenação do PVRC, o papel do pré-vestibular é mais do que apenas buscar a aprovação em universidades. “É formar cidadãos capacitados, engajados e alinhados na luta por seus direitos através de uma educação popular, que estamos imensamente orgulhosos da jornada de cada um dos nossos alunos e alunas e felizes por podermos compartilhar esse momento único com vocês”.

A moradora Giovanna Menezes, aprovada para o bacharelado em Geografia, na PUC-Rio, aponta como diferencial as aulas dadas por professores periféricos, e diz que lhe deu mais certeza de qual curso seguir levando consigo toda base adquirida no PVCR: “Geografia chegou pra mim no primeiro ano do ensino médio, me apaixonei pelas categorias de paisagem, lugar, território. O pré me ajudou a aflorar esse lado e entender o espaço que vou ocupar”, diz Menezes.

Segundo o IBGE, apenas 1% dos moradores de favelas tinham curso superior completo em 2010, nas outras áreas, o percentual de conclusão é de 14%, um número considerado baixo.

*Osvaldo Lopes, sob supervisão de Michel Silva

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