“A Rocinha não pode ser enganada mais uma vez!”, alertou Toledo

“Ninguém vai enganar ninguém não!”, respondeu Wilson Witzel

Diálogo entre o arquiteto Luiz Carlos Toledo e o governador Wilson Witzel durante lançamento do programa Comunidade Cidade, no dia 30 de janeiro de 2020, no CIEP Ayrton Senna da Silva

Não tenho razões para duvidar da firme intenção do Governador de enfrentar o grave problema da falta de saneamento nas favelas do Rio de Janeiro, nem da concretização das demais ações que o programa Comunidade Cidade se propõem a desenvolver nesses territórios tão esquecidos pelos governantes, e por parte expressiva da sociedade que neles só enxergam carências, subestimando o seu papel em prol da inclusão social, econômica e cultural dos mais pobres. 

Garanto que se não acreditasse na viabilidade do programa, e na vontade do governo de realizá-lo, não teria aceito o convite para participar da equipe encarregada de coordenar-lo, além disso, a proposta do programa de ter como carro chefe a implantação do saneamento básico nas favelas do Estado do Rio de Janeiro tornou o convite irrecusável. 

A escolha da Rocinha, para dar início ao programa, também foi decisiva para minha participação na equipe, afinal, há muitos anos, dedico parte do meu tempo à estudar e atuar na favela, onde desempenho atualmente da dupla função de consultor sênior do Programa Comunidade Cidade e professor do Curso A Rocinha que Queremos, ministrado no CIEP Ayrton Senna da Silva desde de meados de 2018. 

Há doze anos atrás coordenei o Plano Diretor de Desenvolvimento Sócio Espacial da Rocinha (2006 a 2008) e senti na pele a frustração dos moradores com o desrespeito aos objetivos e diretrizes do Plano que também priorizava o saneamento. Esse foi o motivo que me levou a falar para o Governador que a Rocinha não pode ser de novo enganada. 

O arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo começou a trabalhar na Rocinha por intermédio do ex-presidente da associação de moradores, Jorge “Mamão”, que queria um projeto para embelezar o morro. (Foto: CAU-RJ/Arquivo)

Pesa sobre os ombros da atual administração a imensa responsabilidade de mudar o jogo, fazendo com que o Programa Comunidade Cidade constitua um marco na melhoria das condições de vida nas favelas, acelerando o processo de integração à cidade de que são indissociáveis. 

Os contornos e a abrangência do programa começaram a ser delineados no início de 2019, primeiramente pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Obras-SEINFRA e, mais recentemente, pela Secretaria Estadual de Governo e Relações Institucionais- SEGOV, atual responsável pela coordenação do Programa.

O Programa é ambicioso, não só pelo montante de recursos que serão investidos, mas também por envolver a maioria das Secretarias Estaduais e várias empresas públicas, entre elas a CEDAE, que tem como meta investir um bilhão de reais em infraestrutura de saneamento só na Rocinha, até o final da atual administração.

A complexidade do programa, que além do saneamento, se propõem a investir em mobilidade, educação, saúde, habitação de qualidade, meio ambiente, sustentabilidade e a criação de empregos locais, entre outras ações exigirá da SEGOV um grande esforço de coordenação, e do Governador a vontade política de levar a bom termo um programa de tamanha envergadura.

Para ser implantado o programa necessitará do apoio da população, e isso só se dará com uma ampla divulgação dos seus objetivos e etapas de implantação. O Fala Roça, as rádios comunitárias e outras mídias locais serão de enorme importância para a divulgação e acompanhamento do programa. Mas isso não será suficiente, também será necessário criar espaço para a discussão e aprimoramento do programa com contribuições vindas da população local e da sociedade em geral.

As obras viárias, de implantação das redes de abastecimento de água, esgotos sanitários, drenagem pluvial e as intervenções para desobstrução dos talvegues ocupados por edificações exigirão a desapropriação de cerca 7300 moradias. Será necessário prestar às famílias atingidas informações detalhadas sobre todas as opções de realocação que terão, dentro e fora da Rocinha. Neste sentido será fundamental que o programa mantenha a presença de equipes interdisciplinares para acompanhar cada família durante todo o processo de desapropriação e realocação.

Até o momento os estudos da implantação de habitações de interesse social levantaram 18 áreas na Rocinha e em seu entorno imediato onde foram projetadas a construção de cerca de 2400 unidades habitacionais. A grande diferença entre o número de construção de novas unidades habitacionais e o de desapropriações é um problema a ser superado com medidas que transcendem o escopo do Comunidade Cidade.

Experiências passadas na própria Rocinha, durante as obras do PAC, demonstram que uma parte das famílias deixa a favela após receber o pagamento da desapropriação, mesmo assim, a diferença entre os números é motivo de grande preocupação. Minha experiência na Rocinha, como arquiteto, me diz que projetar 2400 novas unidades habitacionais na favela e em sua periferia é uma meta difícil de alcançar, dada as condições topográficas da área e, principalmente, devido a intensa ocupação do solo atual, sem falar na legislação urbanística em vigor que inibe a verticalização. O problema não será resolvido sem a anuência da Prefeitura em flexibilizar a legislação, e sem que o Governo do Estado tenha em mente providenciar moradias dignas às famílias que tenham de deixar a favela em função das obras.

Há que se criar uma política de reassentamento dessa população em áreas com infraestrutura e próximas ao mercado de trabalho, se possível aproveitando o grande número de próprios federais, estaduais e municipais vazios ou subutilizados, existentes em áreas centrais da cidade, como por exemplo os terrenos e edificações ociosas localizadas na região portuária da cidade.

Nada disso é fácil, exige muita vontade política e inteligência dos governantes, compreensão e o apoio dos bairros vizinhos, dedicação e competência dos técnicos e, principalmente, a colaboração e a paciência dos moradores durante a execução das obras.

O que não deixa dúvida é que a gente sofrida da Rocinha mais do que merece todas as melhorias que estão sendo prometidas pelo Programa Comunidade Cidade, daí a importância de não desapontá-la mais uma vez.

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