Edmilson Marco Ferreira é um homem versátil. Religiosamente ele sai de casa de manhã no alto da Rocinha e desce até o Caminho do Boiadeiro, na parte baixa do morro, carregando algumas ferramentas. Sentado próximo a entrada da capela Nossa Senhora Aparecida, ele usa um alicate para ajustar a válvula de segurança de uma panela de pressão. 

Aos 67 anos, ele conserta panelas há 30 anos no mesmo local. “Eu cheguei aqui na Rocinha com 19 anos, tem tempo pra caramba. A ilusão da pessoa nova, né? Eu vim pra ganhar dinheiro. Aí quando chega aqui você não ganha nada, o tempo passa e você não conseguiu ganhar dinheiro.”, explica ele, que viveu 7 anos no Pavãozinho, em Ipanema, antes de se mudar para a Rocinha em 1992.

No Rio, o jovem cearense trabalhou em empregos formais, mas foi nas ruas que se encontrou no ofício atual. “Eu fui trabalhar de balconista, essas coisas assim, de empregado. Empregado ganha pouco demais.”, reflete Edmilson Ferreira.

Sem mesa ou bancada, Edmilson usa uns degraus ao lado de uma igreja católica para resistir no ofício em extinção. Foto: Fala Roça

As primeiras panelas começaram a ser consertadas em sua cidade natal, o município de Santa Quitéria, no Ceará, através de outro paneleiro com quem dividiu a clientela e ensinou as técnicas da profissão.

Alfaiates, tripeiros e paneleiros figuram na lista de profissões em extinção. Edmilson, o paneleiro, conserta entre 5 e 20 panelas todos os dias. O serviço mais barato é o de desempenamento da tira da tampa que é feito com a ajuda de um martelo. As marteladas custam R$ 10. Ele também desamassa tampas, coloca cabo, troca a borracha de pressão e resolve defeitos no pino.

A inflação que deixa milhares de pessoas com fome no país atinge até mesmo quem conserta panelas. O paneleiro do Boiadeiro já chegou a consertar 50 panelas em um único dia, mas os tempos mudaram. “Naquele tempo o pessoal tinha mais dinheiro, né? Eu ganhava mais dinheiro. Quando eu falo que trabalhava bem e ganhava bem, ninguém acreditava. Agora não tá como antigamente, mas vai melhorar.”, diz esperançoso.

Muito temente a Deus, entre uma martelada ou outra, ele conta uma benção durante a pandemia. Dia desses estava sentado na rua pensando na vida e homem bateu em seu ombro e perguntou se ele queria uma cesta básica. Como estava precisando, aceitou. 

Mesmo em extinção, a profissão de reparador de panelas resiste na lista de atividades dos microempreendedores individuais. Como MEI, os reparadores têm assegurados os benefícios previdenciários, mantendo em dia suas obrigações e declarando o faturamento anual, podendo ainda emitir nota fiscal e ter maior acesso a crédito. 

Edmilson não é muito antenado nessas modernidades. Sem aposentadoria, a única renda do cearense são os consertos de panelas. Apesar de ter dado entrada na aposentadoria, não sabe quando sairá a carta. Por isso, ele continua batendo ponto todos os dias, de 9h às 16h, ele está lá, sentado ao lado da capela. Enquanto eu puder, eu estou por aqui”.

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